Tenho relido as tragédias gregas à medida que vejo as
adaptações pra cine. Enquanto me emocionava com o sofrimento de Hécuba em As
Troianas, pensava no desafio de sua transposição pra telona. Afinal, Eurípedes
desenhou uma impotente ex-rainha que fala praticamente o tempo todo da
destruição de sua família. Impossibilitada de agir, Hécuba vê e dialoga com a
filha Cassandra, a nora Andrômaca, na iminência de serem enviadas á Grécia como
escravas, depois da derrota troiana. Também desafia verbalmente a espartana
Helena, pomo da discórdia entre Grécia e Tróia.
Mas, não é que a adaptação de Michael Cacoyannis (1971)
é de arrepiar? Certo que requer platéia apreciadora de grandes interpretações e
não viciada em ação constante, mas o tom meio ritualístico de parte da obra é
inebriante.
Escrita numa era em que o palco era proibido às
mulheres, As Troianas é um tesouro pra atrizes. E Cacoyannis reuniu a
norte-americana Katherine Hepburn (Hécuba), a canadense Genevieve Bujold
(Cassandra), a britânica Vanessa Redgrave (Andrômaca) e a grega Irene Papas
(Helena). Esmerilhou, né?
Elenco multinacional pra falar dos efeitos da guerra
sobre a parcela mais indefesa da população: mulheres e crianças. Em plena época
do horror vietnamita e suas fotos de garotas correndo, queimadas por napalm. Eurípedes
contemporâneo, mais de 2 dezenas de séculos após a encenação primeira de sua
tragédia. 40 anos depois do filme, a obra continua pertinente..
As Troianas tem lugar ao redor da Tróia
recém-derrotada. As mulheres esperam pra saber pra quais cidades gregas irão e
serem escravizadas e/ou usadas como prostitutas. Aí estão Hécuba e o coro,
mantido na filmagem e coreografado/vestido á perfeição. Perante a destronada,
vai passando sua família, destruída. Laivo de esperança pode haver, na figura
de Astianax, seu neto. Mas, a caixa pandórica de Eurípedes era vazia.
O século V antes da era cristã viu uma Atenas gloriosa
e belicista. Quando As Troianas foi encenada pela primeira vez, a Guerra do
Peloponeso encarniçava a península. Atenas lançava-se em campanhas militares
contra outras ilhas, onde chacinava homens e escravizava mulheres e crianças. A
cidade abundava em refugiados das cidades aliadas derrotadas por Esparta
(Helena era espartana...). No mundo euripidiano, amaldiçoado por Poseidon e
Atena, a catarse aristotélica provavelmente era atingida facilmente com essa
espécie de vaticínio cênico. Lembram-se de qual cidade-estado ganhou a Guerra
do Peloponeso?
O filme abole a corajosa cena inicial onde a protetora
de Atenas e o deus dos oceanos prometem castigar a cidade para concentrar-se no
preço humano da estupidez bélica.
Para ver e guardar na cabeça que a argamassa dos arcos
do triunfo é feita de sangue.
O filme está completo no You Tube, legendado em português.
O filme está completo no You Tube, legendado em português.
Se
você entende inglês ou lê grego, poderá ver o filme aqui:
Se
você entende espanhol, pode ver a versão nesse idioma:
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