quinta-feira, 22 de novembro de 2012

MESTRE FULA ESCREVE

Quase sem palavras ao ler a resenha de Escolhi Ser Albino, escrita pelo Prof. Dr. José Fulaneti de Nadai, publicada hoje no Diário de Penápolis.
Ler que uma de minhas inspirações intelectuais acha invejável o meu manejo da língua me fez corar.
Só mesmo Mestre Fula pra pôr cor numa cara albina!

“Não somos especiais, somos diferentes”
Comentar um livro não é fácil. Mais difícil ainda é comentar um livro bom. Então, me escondo à sombra da síntese, exigida pelo jornal, para, ilusoriamente, disfarçar minha fraqueza. Na noite de 26 de outubro passado, Roberto Rillo Bíscaro nos brindou com os autógrafos de sua autobiografia Escolhi ser albino, obra que saiu pela Editora da Universidade Federal de São Carlos. Livro autobiográfico, cobra atenção do leitor, uma vez que um terço de suas páginas parece girar em torno da condição do imigrante na nova terra. Parece, porque seu eixo temático trabalha firmemente e sem titubeio a questão da "diferença": Não somos especiais, somos diferentes, p.81, frase-título deste artigo.
Tema moderno por excelência, ou melhor, pós-moderno, como se prefere qualificar hoje, foi tratado com muita perspicácia pelo autor. Traçando a história dos imigrantes em nossa região, dentre os quais seus ascendentes, revela as condições socioeconômicas que enfrentaram, sempre às voltas com as crises e a pobreza. Mas o que ele procura mesmo é rastrear a marcha de um gene recessivo, o gene do albinismo que, silente durante anos, às vezes dá o ar de sua alva graça depois de permanecer invisível no meio dos outros genes, p.20. A "alva graça" desse gene leva o autor a desenvolver uma leitura lúcida, com forte apoio nas técnicas da História Oral, da economia da região, monocultura baseada na ilusória promessa do cafezal, que enlaçava um pequeno núcleo urbano.
Até a crise de 1929, certas famílias fizeram algum progresso; depois as dificuldades começaram. A solidez vai se revelando falsa aparência e a diáspora é inevitável: a capital e o Paraná são as preferências. Em 1 952, a família muda-se para São Paulo: seus pais, seu Izaltino e dona Neia, levam consigo, além de um casal de filhos, o sonho dourado de lavradores e trabalhadores em pequenas cidades interioranas. Mas, o que para alguns foram anos dourados, para eles e a maioria da pobreza foram anos foscos. Novo espaço, problemas novos: Frio, fome, tristeza, carência e exaustão.p.48. Essa frase poderia resumir tudo o que sofrem os pobres, material e psicologicamente, sem disso estarem esclarecidos: Sentir é quase sempre mais poderoso do que compreender... p.41. Mas aquilo que atinge o leitor como uma bofetada, que dói no fundo da alma, é a parte de uma frase que diz: entre o querer bem e o não poder querer,p.67, confissão feita mais tarde pela mãe, aos prantos, ao "estorvo", que nascera no dia 24 de janeiro de 1 967.
Além de revelar, simpaticamente, o espírito de cooperação e solidariedade entre os pobres, o livro põe em evidência o desarranjo que esse gene provoca entre os que não dispõem de recursos materiais. Assim se explica a análise socioeconômica que faz o narrador com tanto brilho.O menino albino inicia a escola primária em 1974; em julho de 1976, a família volta para Penápolis. Na escola, tanto em São Paulo como aqui, o menino comeu o pão que o diabo amassou, como vítima de toda ordem de preconceito, levando-o a desenvolver forte sentimento de inferioridade. O chamado "bullying" funcionou sem misericórdia. Mas com a participação em teatro escolar, começa a se expor com mais confiança e a ser visto de forma diferente.
Jovem de determinação e garra, de 1990 a 2006, faz o curso de Letras na Funepe, onde depois passa a lecionar, conclui o mestrado e o doutorado na USP e goza de grande respeito como professor de inglês no curso de Mr. John. Pelo travo amargo da experiência pessoal, essa é a grande lição que ele passa a todos aqueles que sofrem não só de albinismo, mas também de outras formas de manifestação da diferença. Em 2009, com a fundação do "Blog do Albino Incoerente", o Robert se torna, mais que merecidamente, uma figura pública na grande mídia, em palestras e agora com este belo livro. Hoje, ele tem uma causa e luta por ela de maneira invejável: a causa da diferença. Com isso, talvez fique explicado o título de Escolhi ser albino. Repercorrendo a estrada sofrida na infância e juventude, pôde afirmar esta coisa extraordinária: O aquilatamento do processo mimetiza a dimensão alargada dos objetivos. Se antes o fazia por motivos individuais, agora as razões são coletivas. Mesmo encontrando claramente o sentido social de sua luta, sua importância coletiva, por baixo da escrita ouvimos ainda, sufocado, o murmúrio da amargura vivida pelo autor. Talvez seja ela responsável pela grandeza deste grande livro, que se alicerça num tripé: a visibilidade da riqueza temática, o correto e invejável manejo do idioma, e a força literária nas formas discursivas. 
Os lugares ideais deste grande livro são, basicamente, as bibliotecas das escolas de ensino básico de todo o país. É preciso que o Ministério da Educação o descubra e perceba logo que sua discussão pelos estudantes terá efeito maior que qualquer palestra. Aprenderão, através da arte, a superar os preconceitos herdados e postos em prática.   
http://www.diariodepenapolis.com.br/artigos.php?codigo=1916

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