Roberto Rillo Bíscaro
Já vi diversos documentários sobre cine de horror, gênero do qual gosto deveras. Destarte, quando soube da trilogia da BBC intitulada A History of Horror (2010), providenciei-a e a passei na frente na monumental fila de meus HDs externos.
Já vi diversos documentários sobre cine de horror, gênero do qual gosto deveras. Destarte, quando soube da trilogia da BBC intitulada A History of Horror (2010), providenciei-a e a passei na frente na monumental fila de meus HDs externos.
O ator Mark Gatiss expõe as regras do jogo logo de
cara. O critério de seleção é assumidamente seu gosto pessoal. Por isso, o
título Uma História... Tendenciosa, a escolha lhe permite fazer afirmações a
meu ver disparatadas, do tipo “o gênero horror foi o que melhor usou os
recursos de som e imagem”. Claro que isso também coloca pontos de interrogação
em muito das informações supostamente fatuais. Alertados, resta-nos mergulhar
nas imagens de arquivo, conversas com atores e diretores, visitas a sets de filmagem e locações do que ele
considera a nata do terror.
O primeiro capítulo, Frankenstein Goes to the Movies,
aborda produções mudas e a febre de adaptações e derivações de Drácula,
Frankenstein, Dr. Jeckyl e Mr. Hyde, que assustaram plateias durante a Grande
Depressão trintista.
Ficamos sabendo de
fofoquinhas como o escritor F. Scott Fitzgerald ter vomitado seu almoço ao
voltar ao refeitório do estúdio e se deparar com parte do elenco de Freaks
(1932), composto por pessoas com deficiência que faziam shows em circos. Não me
surpreendeu a reação do autor do Grande Gatsby.Também me toquei sobre a origem dum estratagema supercomum em filmes de terror. O diretor constrói uma situação de crescente tensão pra nos assustar com algo perfeitamente inócuo. Segundo Gatiss, esse truque tornou-se arroz de festa a partir do eroticamente carregado Cat People, de 1942 (A Marca da Pantera, refilmado em 1982, com a então musa Nastassja Kin(s)ky).
Essa parte termina no início dos anos 50, quando a
febre de bilheterias foi os meus amados filmes de ficção-científica envolvendo
discos voadores e animais agigantados atomicamente.
Home Counties Horror cruza o Atlântico e explora a
influência e popularidade do horror britânico de baixo custo da Hammer e depois
da Amicus. Gatiss confessa que talvez seja seu período predileto. Entendo-o
bem: parte de minhas memórias infanto-juvenis é ficar em frente á TV até de
madrugada vendo aqueles filmes que continham 3, 4 histórinhas de terror (da
produtora Amicus) ou as mesmas caras e cenários dos filmes do Drácula, de
Christopher Lee.
Indo de meados dos anos 50 até a primeira metade dos
70, a segunda parte do documentário alude á influência britânica no italiano
Mario Bava, mas a ênfase recai sobre as adaptações de obras de Edgar Allan Poe,
no início dos anos 60, pelo norte-americano Roger Corman.
O horror inglês- que sucumbiu à nudez gratuita, segundo
Gatiss – encontra seu último rasgo de criatividade com o miniciclo de folk horror, de início dos 70’s. Um
punhadinho de produções passadas no campo inglês traz comunidades seguidoras de
ancestrais rituais pagãos: basta lembrar o cultuado Homem de Palha (1974). E eu
que comi barriga por anos e não fizera a conexão entre esse ciclo e a
popularidade do prog folk? Lembram quando escrevi sobre o Gryphon?
O documentário não fala,
mas se fizermos o 2 + 2 necessário também notaremos o reacionarismo dessa
corrente cinematográfica que usa muito do visual e da ideologia da geração do
amor livre pra representar comunidades “anticristãs”, por conseguinte, más.A trilogia encerra com The American Scream e a retomada do ce(n)tro do horror pelos EUA. Depois de tirar o chapéu pra psicose hitchcockiana, o documentário mergulha no fértil período de fins dos anos 60 a fins dos 70.
George A. Romero e sua crítica social via filmes de
zumbi. A supremacia do demônio – levando a melhor – numa década assombrada por escândalos,
previsões de cataclismos naturais e derrota num ianque num pequeno país
asiático. A criação do primeiro “herói” de terror não inspirado em literatura:
Leatherface, d’O Massacre da Serra Elétrica (1974).
Contando com nicho específico de fãs, que fazem
convenções e têm sua própria rede de disseminação de informações, o gênero
horror não necessita apenas de produções de grandes estúdios, mas pode contar
com eficiente mercado independente, que, por sua vez, alimentará o mainstream com jorros de novas idéias. Mais
ou menos o caso que relatei semana passada, do veterano Barry Levinson dirigir
The Bay (leia aqui).
Pra Mark Gatiss, a hemorragia criativa do horror
tornou-se filete a partir de 1978, depois do influente, Halloween, de John
Carpenter (prefiro Jason Voorhees, mas não posso discordar que Michael Myers
tem importância histórica maior. Grrrrr!). Ele reconhece que ocasionalmente
algum filme de horror traga laivos de originalidade, mas não enxerga um
movimento. Fora do eixo anglo-norte-americano, o Japão, México e a Espanha são citados.
Mas, só.
Mesmo esse terceiro jorro criativo é relativizado,
quando o documentarista afirma que seu legado foi uma geração de filmes que
quer mostrar a tortura apenas pela tortura, gore
por gore. Concordo que os pares de Jogos
Mortais (2004) sejam mecânicos e chatos, mas dizer que há 3 décadas o cine de
horror não vive onda criativa, quando antes há cada 10,15 anos ele enxergou
uma, pode ser sinal de ranhetice.
A History of Horror tem o mérito
de amar seu objeto de análise, o que o torna indispensável pra neófitos e/ou
sazonados fãs que adoramos espiar o que não devíamos!
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