O professor José Carlos Sebe me enviou email comentando situação estarrecedora em que vivem os índios Kaiowá, lá em Dourados (MS). Leia o texto e divulgue o mais que puder, por favor.
NOSSA
MAIOR TRAGÉDIA: índios, alienação e desamparo.
José Carlos Sebe Bom Meihy
As dramáticas palavras da vice-procuradora
Geral da República, Déborah Duprat, colocam a nu uma das mais agressivas
situações que atualmente nos dizem respeito “a reserva de Dourados (dos índios
Kaiowá) é talvez a maior tragédia conhecida da questão indígena em todo o
mundo”. Triste demais isso. E o problema não é novo. Em 1991 estive com alguns
alunos da USP em Dourados, MS e então procuramos entender para divulgar um dos
dramas mais vergonhosos de nossa realidade contemporânea: a morte de jovens
Kaiowá, fenômeno que ocorre majoritariamente entre jovens de 10 a 24 anos. Sob o
título “Canto de morte Kaiowá: história oral de vida” (Editora
Loyola, SP), o livro resultado dessa investida buscava traduzir outra
justificativa que não fosse a rasteira interpretação daquelas mortes provocadas
como vontade de extinção ou incapacidade de sobreviver no chamado “mundo
civilizado”. Havia muito mais nessas sentenças autoimputadas. E quanto
desconhecimento de nossa parte! Sequer conseguíamos entender os sinais dados
por aqueles que se imolavam e, no máximo, divulgávamos números e notícias
espantosas, sem capacidade de articular soluções. Logo, pareceu-nos alarmante o
fato de sequer sermos aptos a estabelecer hipóteses capazes de revelar o
sentido do drama daquele grupo. Restava então, pelo menos, contar algumas das
histórias e foi isso, aliás, o máximo que conseguimos fazer. Desde aquele
então, a imprensa em geral se acostumou àquela trama maldita e aos poucos foi
se silenciando até que recentemente um fato novo irrompeu o cômodo vazio de ecos.
Segundo dados recentes, desde o ano
de 1986, mais de 860 mortes ocorreram e agora, como um dos mais expressivos apelos jamais visto em quadrante algum, um grupo de 170
índios - 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças, que vivem à beira do rio no município
de Iguatemi (MS) ameaçam se matar. A sentença é “morte coletiva”. E nem faltam
avisos dramáticos vazados em cifras alarmantes, de vítimas que tentaram, mas não
conseguiram chegar a óbito – fala-se em cerca de
mais de 500. Agora, em carta de alerta enviada às autoridades, disposta ao
público em geral e, divulgada principalmente pelas redes sociais, os Kaiowá
advertem, no limite da capacidade de expressão em língua portuguesa “pedimos ao
Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas
decretar nossa morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos para decretar
nossa extinção/dizimação total, além de enviar vários tratores para cavar um
grande buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso pedido aos
juízes federais”. A medida se deve pela iminência de policiais e pistoleiros
que trabalham para latifundiários da região que querem aquelas terras para
plantio.
A carta inicialmente dirigida a Justiça Federal continua com dizeres
espantosos derivados de ordem de despejo expedida pela Justiça Federal do
Estado do Mato Grosso do Sul: “recebemos esta informação de que nós
comunidades, logo seremos atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela
própria Justiça Federal de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós, que a
própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas
vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo
de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay”. Notícias recentes dizem da reversão da pena injustamente imputada aos
Kaiowá, mas isto é muito pouco. Faz-se necessário um elenco de medidas que
trabalhe com a aproximação digna de índios, em particular dos que ficam nas
proximidades de cidades e em meio a áreas de plantação extensas. O endereço
deste tipo de medida visa inscrevê-los nos processos de cidadania plena, com
direitos a atenção de saúde, escola, seguridade social. Não bastam leis
demarcatórias, ainda que sejam importantes. Muito mais do que qualquer outra
medida é preciso conhecer a história e cultura dessa gente e intensificar
processos de mediação e trabalho conjunto. Por certo medidas legais hão de
ajudar, proteger até, mas serão insuficientes se não tivermos capacidade de sensibilizar
grupos de convívio imediato. Um bom começo seria o trabalho com os próprios
índios que tem reivindicações claras; também seria frutífero atuar junto aos formadores
de opinião pública; outro, o recurso difusor pelas redes sociais. É preciso
mostrar ao mundo que os índios são seres aptos e que mais do que nos afetar com
ameaças, são seres capazes de instituir mecanismos de sobrevivência apropriados
para o convívio. Ao mesmo tempo, como brasileiros, precisamos nos livrar de
situações como esta. Afinal, o Brasil que alça a condição de sexta economia do
mundo tem que se explicar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário