Menina , portadora de albinismo, jamais enxergaria
Amy Hildebrand nasceu cega. Completamente cega. Além do infinito em idealização e expectativas que carregam os primogênitos, Amy também foi recepcionada na cidade americana de Cincinnati, no estado de Ohio, com uma sentença e uma esperança. A primeira, proferida pela equipe médica que conduziu o parto e a avaliação do bebê: a menina alva como nuvem, portadora de albinismo, jamais enxergaria. A segunda, acalentada pelos pais, nascia também ali e se manteria para sempre inabalável: a nova família, oficialmente recém inaugurada, não se conformaria com essa previsão.
Pode-se deduzir que algo de bom e bonito aconteceu entre o veredicto comunicado na maternidade e o mês de outubro de 2012, quando Amy, já uma respeitada fotógrafa de 27 anos, visitou Porto Alegre a convite do Hospital Mãe de Deus para o lançamento do projeto Saber Viver sobre valorização da vida.
Paciente de tratamentos experimentais desde os primeiros meses, ela se libertou da escuridão completa lentamente. Não que considerasse ruim o breu que habitava - se não conhecia outra vida, que tipo de comparação poderia estabelecer para concluir que era infeliz? O avanço foi gradual, o que a impede de divisar com exatidão o marco que sinaliza o antes e o depois, a cegueira absoluta e a visão, ainda que bastante comprometida. O albino produz pouca ou nenhuma melanina, pigmento que colore os olhos, a pele e o cabelo, desenvolvendo problemas de visão e grande sensibilidade ao sol.
Amy relata que a força que impulsionou o otimismo familiar nunca foi desesperada. Buscar um tratamento eficaz para a menina de aparência quase translúcida não era uma obsessão. Caso algo funcionasse, ótimo. Se tudo falhasse, todos estariam empenhados em se adaptar da melhor maneira possível.
- Lembro do piso de linóleo vermelho na cozinha. O sol entrava pela janela, e a poeira pairava no ar. Lembro de simplesmente deitar lá e ficar olhando o sol incidindo sobre o piso, o contraste entre o vermelho do linóleo e a luz, as sombras, minha mãe fazendo as tarefas domésticas. As cores eram tão vívidas - conta, resgatando um episódio da época de seus dois ou três anos de idade, naquele que considera ser o seu primeiro registro visual.
A americana capta imagens com inspiração de artista, sempre com o objetivo de que suas fotos resultem fiéis à maneira como ela própria absorve os personagens e os cenários que transitam em frente à sua lente - casamentos e crianças estão entre os temas preferidos. Amy depende de cores fortes e contrastes para subtrair do universo ao redor o máximo de nitidez. O grafismo de linhas e formas interrompidas ou desfocadas, e o efeito de névoa que encobre seus retratos, permitem ao observador compartilhar com ela uma sensação de entendimento.
- Sempre me senti confortável com uma câmera nas mãos. Parecia o jeito mais natural de me expressar. Me perguntavam como eu enxergava o mundo, e nunca encontrei uma maneira adequada de responder isso. Até começar a fotografar.
A idealizadora do blog With Little Sound, um dos trabalhos mais exaltados de seu currículo, com mil fotos tiradas ao longo de mil dias ininterruptos, esteve na Capital acompanhada do marido, o também fotógrafo Aaron, que conheceu dentro de uma câmera escura na faculdade. Casados há sete anos, eles são pais de Jude, cinco anos, e Daisy, três, que não desenvolveram o albinismo.
O trabalho de Amy Hildebrand está em exposição no Hospital Mãe de Deus até 31 de outubro, das 8h às 18h. Com cenários bucólicos, crianças e jogo de luzes e cores, as fotos fazem parte de um trabalho pessoal da fotógrafa intitulado 1000 Fotos em 1000 Dias concluído em 12 junho deste ano.
A convite de Donna, Amy aceitou passear pela Redenção, compondo com suas impressões de turista um breve ensaio de um dos endereços mais queridos da cidade. As fotos feitas por ela e o making of do passeio no parque podem ser vistas na galeria de fotos abaixo.
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