Ouvi o jorro de Mel, de Maria Bethânia, lambuzando incessantemente
as estações de rádio, nos idos de 78, 79. Canto a faixa-título quase toda, de
cor, de tanto que tocou na época. Ela foi a primeira cantora brasileira a ultrapassar
o milhão de cópias vendidas. Com Mel.
E não
é que em março, a baiana lançou seu quinquagésimo disco e demorei quase uma
gestação humana pra descobrir? Não me julgava mal informado com relação aos
grandes da MPB dos anos 60 a 80, afinal, sei que Gal, Caetano, Djavan, todos
lançaram trabalhos recentes. Mas, o Oásis de Bethania passou batido. Vergonha. 10 faixas intimistas, cada uma sob a batuta dum arranjador, que atendeu à ordem de Bethania de fazer arranjo pra instrumento único ou pouco mais que isso. A sonoridade esparsa realça a voz da intérprete, soberana nesse oásis de controle e idiossincrasia autorais numa época em que muita gente quer soar moderno/padronizado pra agradar. Bethania faz como lhe apetece.
Oasis abre com a seresta minimalista deprê de Lágrima,
cuja letra afirma que “não há ninguém feliz”. O álbum capricha na melancolia,
como na saudosista Casablanca, simpática, mas uma das mais convencionais dum álbum, que, ao contrário do que alguns
acusaram, traz novidades: um Fado, tocado em viola e uma versão energética e
talvez definitiva d’O Velho Francisco, aquele idoso em asilo, cuja memória lhe
prega peças, criação de Chico Buarque.
Minha favorita é Vive, composta por Djavan
especialmente pra Oasis de Bethânia. O maestro toca violão no bolero que temsua marca inconfundível. Antes da primeira audição, lera que uma das canções
era de sua lavra, mas não sabia qual. Quando Vive começou, pensei “essa é a dele”,
pelo modo do violão, pela melodia e pela letra.
Bethania
confessou que escreve muito e queima a maior parte, como ato purificador. São
dela os versos declamados da impressionante Carta de Amor. Em mais de 7 minutos
entre declamação e samba, a cantora entoa um rosário de entidades terrestres ou
não, que a protegem. Sincrética e com assustadores vocais em falseto, onde diz
pra não mexerem com ela que ela não anda sozinha, a carta é pura ameaça. A letra de Barulho parece daquelas da Era do Rádio, mas é do século atual, composta por Roque Ferreira, autor da também antiquada Casablanca. Ao som de piano, o eu-lírico diz que releva e tolera infidelidade e mentiras do(a) parceiro(a), menos que este(a) lhe levante a voz. Completa dizendo que mesmo que quisesse jamais poderia ser infiel, porque “nasceu pra amar direito”. Terapia já, pra (re)construir a autoestima!
O álbum traz citações de canções em algumas faixas e não
tem participação do mano Caetano em qualquer capacidade. Equacionei essas
informações e a letra de Barulho e fantasiei: será que se o modernete Caê – que
injetou funk carioca no último álbum de Gal Costa - tivesse produzido Oasis,
teria convencido a irmã a cantar um trecho do “clássico” de MC Beth, Um Tapinha
não Dói, junto com Barulho?
Pândega
à parte, Oasis de Bethânia é outro belo trabalho na carreira dessa intérprete elegante
e independente, uma das mais respeitáveis de sua geração. Demorei pra achar o Oásis
de Bethânia, mas dele não saio mais.
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