Manchester, nos anos 1970, era pálida lembrança dos dias de Elizabeth Gaskell. A melhor tradução urbana da Revolução Industrial cedera lugar a uma cidade arruinada e suja. A demolição de velhas construções semibombardeadas ensejou a construção de desumanizadores conjuntos residenciais. Desemprego, pobreza e criminalidade abundavam.
Até que em junho de 76, os Sex Pistols tocaram no Free
Trade Hall, num show hoje mitológico. A partir dele, muitos jovens
manchesterianos sacaram que criar uma banda era alternativa pra sair do marasmo.
Uma delas foi a Joy Division, definidora de muito do que se convencionou chamar
pós-punk. Em termos de Brasil, basta escutar o álbum de estreia da Legião
urbana, pra saber do que estou falando.
Revi o documentário Joy Division (2007), no dia de
Natal, especialmente pra resenhá-lo pro blog. Dado o caráter depressivo das
letras, talvez não a melhor escolha pras festas de fim de ano.
Ian Curtis (vocal e letras), Bernard Summer (guitarra), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria) eram fãs de Iggy Pop e Velvet Underground, que mal sabiam tocar seus instrumentos, mas que, com o produtor Martin Hannett, inventaram uma nova sonoridade. Esparsa, fantasmagórica, com o baixo lugubremente pesado, mas por vezes, dançante, sem deixar de ser lúgubre; a guitarra que às vezes parece serra (Atrocious Exhibition é modelar nesse quesito) e a bateria de outro planeta. Som solene, arrastado, mas não destituído de delicadeza (confira o teclado de Atmosphere, com seu rastro de cacos de cristal). Joy Division somou boa produção à fúria punk. Sons de elevadores e até mesmo potencial dançante (Transmission pré-data em anos o estilo discoteca pra zumbis, do Sisters of Mercy ou Fields of the Nephilim).
Joy Division, o documentário, traz os sobreviventes da banda e figuras como Tony Wilson, dono da influente Factory Records, falando sobre a trajetória desse grupo fundamental. Juntamente com imagens e recortes de jornal, aprendemos como Summer, Hook e Morris não souberam lidar com o torturado Ian Curtis, que se enforcou em 18 de maio, de 1980, 24 horas antes de tomar o avião que levaria a já criticamente idolatrada Joy Division pra sua primeira turnê norte-americana.
O epilético Curtis, com sua espasmódica presença de palco e referências literárias que vão de Dostoievsky a William Burroughs, compôs letras expressando profunda depressão e desespero, pedidos de socorro que ninguém ouviu. O programa relata a inspiração pra alguns clássicos. She’s Lost Control nasceu depois que o cantor viu uma moça ter um surto de epilepsia e saber de sua subsequente morte. A definitiva Love Will Tear Us Apart é fruto de sua dúvida angustiante entre o casamento falido e a namorada francesa.
Joy Division deixou 2 álbuns – Unknown Pleasures e
Closer (perfeito, perfeito) – e um legado que somado a bandas como os Smiths,
faria de Manchester uma das cidades-referência do pop/rock oitentista. Se o
neoliberalismo de Thatcher remodelou sua infraestrutura, em parte foram suas
bandas que a tornaram centro de excelência cultural.
Depois do suicídio de Ian Curtis, a Joy Division metamorfoseou-se
em New Order, pérola synth-dance-pop, um dos produtos de exportação cultural mais
valiosos da Grã-Bretanha 80’s. O documentário e atitudes recentes de Summer e
Hooky atestam pra obtusidade de seu caráter. Mas, como não respeitar suas
contribuições pra cultura pop?
O
documentário pode ser visto no You Tube, sem legendas:Quem quiser se aprofundar no mundo de Ian Curtis, pode se interessar pela excelente cinebiografia Control (2007), disponível com legendas em português. Se eu fosse você, assistiria.
Muito bacana, Roberto, conhecer esses cantores que, apesar de terem feito música na época em que eu nasci, eu os desconhecia.
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