Roberto Rillo Bíscaro
Estando mais televisivo do que cinéfilo e com mais
tempo, devido a quase 2 semanas de folga, vi 2 telefilmes no dia de Ano Novo.
À tarde, Mr. Stink, especial infantil de Natal da BBC,
adaptado dum livro inglês de sucesso. Não sou afeito a sujeira, mas como o
filme dura 1 hora, dei oportunidade ao Sr. Fedor, um Cascão adulto e sem teto.
Uma pré-adolescente classe-média vivendo com mãe
dominadora, pai banana e irmãzinha “modelo”, discriminada pelas garotas mais
populares da escola, torna-se amiga de Mr. Stink, morador de rua inimigo de banho,
que emporcalha o ambiente com sua catinga (argh!). Crianças curtem, tudo bem, eu
é que sou um 40tão enjoado.
A mensagem é edificante: não discriminemos os moradores
de rua, merecedores de respeito e políticas públicas como todo mundo. O
telefilme tem momentos divertidos e boas sacadas naquele estilo bem
individualista anglo-saxão. Ao lavar o casaco de Mr. Stink, sem sua permissão,
Chloe leva bronca dele, que afirma que caridade não deve ser autoritária.
Como “defender” os sem teto, que em sua maioria não
escolheu a precariedade econômica, usando como modelo um ex-membro da classe
proprietária, que, por definição, é responsável pela escassez de muitos, uma
vez que concentra em suas mãos, o grosso do finito capital?
Em termos narrativos a contradição não é menor. A
narrativa burguesa ao singularizar o protagonista através do batismo da obra
com seu nome atribui a ele algo distintivo dos demais.Luciola não era como as
demais cortesãs e por aí vai. Assim, Mr. Stink não é como os demais sem-teto; é
especial. Tanto é que não há outro sem-teto no filme. Essa especialidade constrói-se
então, por ele não pertencer efetivamente ao que se costuma imaginar por um
destituído?
À parte esses questionamentos,implodidores das boas
intenções, foi divertido ver Hugh Bonneville em registro cômico, como Mr. Stink.
Hugh é o Lord Grantham de Downton Abbey. Essa deve ter sido a razão pra terem-no
escolhido pra interpretar o decaído Lord Darlington de Mr. Stink. Pra mim, foi o
motivo pra eu ter assistido ao especial.
À noite, vi The Girl, coprodução HBO/BBC sobre a
controvertida história de assédio psicossexual que Alfred Hitchcock teria
infligido à atriz Tippi Hedren, mãe da também atriz Melanie Griffith.
Hedren era modelo sem experiência no cinema, quando
Hitch escalou-a como protagonista d’Os Pássaros (1963). Fascinado por loiras, o
diretor apaixonou-se pela moça, tentou seduzi-la, estuprá-la e, em face da
rejeição, passou a persegui-la e torturá-la física e psicologicamente. Uma das
atitudes mais cruéis foi fazê-la repetir dezenas de vezes uma cena onde
pássaros de verdade a atacavam, até que a atriz sangrasse. Hedren alega que o
diretor destruiu sua carreira, ao mantê-la presa ao contrato de 7 anos, depois
que ela resolveu jamais filmar com ele.
The Girl despertou a ira dos fãs de Hitch, que se
ressentiram do ataque ao ídolo. Responderam detonando Tippi (ela pode ser
atacada, o comportamento de Hitch não pode ser posto sob suspeita). Colegas de
trabalho, como a também loira Kim Novak, defenderam o mestre do suspense. Um
balaio de gato, diria minha mãe.
Jamais saberemos a verdade, uma vez que o diretor está
morto há décadas. E aí mora o perigo dessas narrativas: pra se tornar “verdade”
é um pulo! The Girl é uma versão dos fatos, assim, como o Dom Casmurro também o
é. A de Bentinho. Prefiro entender The Girl como algo que pode ter acontecido.
Ou não. Ou acontecido num meio-termo.
Toby Jones está bem imitando Hitchcock, representado
como fisicamente repulsivo, consciente disso e sofrendo muito pela feiúra. Não
admira o retrato ser esse, visto o filme ser feito sob o ponto de vista de
Tippi, bem caracterizada por Sienna Miller, um anjo de candura, totalmente
“inocente”.Tal horizontalidade num drama supostamente psicológico acaba
atraindo a atenção pra coadjuvante Imelda Staunton, que afana as cenas em que
aparece, vivendo Alma Hitchcock, a dúbia (nos termos do filme) esposa do
diretor.
E, pra falar bem a verdade, há trechos que vão do nada
a lugar algum.
Enfim, The Girl é apenas mais um filme que capitaliza a
partir dum voyerismo meio mórbido
nosso de querer saber como vivem os famosos.
Na
boa? O ponto alto da maratona televisiva do Ano Novo foi o par de episódios da oitava
temporada de Married With Children (Um Amor de Família) Ed O’Neill rocks!.
a psicanálise deve explicar ou qquer outra ciência ou seita!...nunca fui fã de Hitch...concordo c sua mãe "um balaio de gato" o mundo de nossos ídolos...
ResponderExcluirEd O’Neill rocks.
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