Roberto Rillo Bíscaro
Sorte não haver televisor que transmita cheiro, caso contrário seria mais difícil assistir à trinca de documentários da BBC, que achei completos no You Tube, sem legendas.
Sorte não haver televisor que transmita cheiro, caso contrário seria mais difícil assistir à trinca de documentários da BBC, que achei completos no You Tube, sem legendas.
Produzidos ano passado, Filthy Cities (Cidades Imundas)
desglamuriza metrópoles ao mesmo tempo em que alerta sobre o que fazer com nosso
lixo e detritos. Se sustentabilidade for mesmo possível, esse é um desafio do
qual não podemos nos esquivar.
Primeiro, vi o programa sobre a Nova York tornada Nova
Roma a partir da Revolução Industrial do século XIX. Em tom bombástico, o
repórter Dan Snow mergulha a mão em detritos, deixa-se picar por percevejo e
piolho e visita um apartamentos que não via limpeza há décadas.
No século retrasado, a Grande Maçã era bichada. O maciço
fluxo migratório aumentava a população em progressão geométrica. A cidade fedia
com toneladas de estrume, animais apodrecendo e excrementos humanos nas ruas.
Muitas fortunas – hoje tidas como impolutas, né? – foram construídas pela
exploração dessa gente e a corrupção era espantosa. Senhorios cobrando aluguéis
extorsivos por apartamentos onde diversas famílias se amontoavam e eram foco de
epidemias de cólera e tifo. Açougueiros fabricando lingüiça com carne podre e
mascarando cor e fetidez com tintura e produtos de limpeza.
O documentário mostra como a tecnologia resolve
problemas, criando outros. A invenção do automóvel limpou o estrume das ruas
(que fim será que tiveram as centenas de milhares de cavalos, desaparecidos em
5 anos?), mas iniciou a brutal emissão de gases que destroem a camada de
ozônio.
Também serve de alerta pra quem ainda crê que
cientistas são abnegados seres sem interesse político, visando ao bem comum. A
cena em que a empresa de Thomas Edison eletrecuta um elefante pra provar a eficiência
de seu sistema é revoltante.
Isso
não significa que o programa seja tecnofóbico e niilista. Aprendemos sobre um
fotógrafo que usou o então novo invento pra registrar as miseráveis condições
nos pardieiros e conseguiu mobilizar a nação em prol da melhoria das condições
de higiene e de vida em geral.Seguindo a nojeira, vi o documentário sobre Londres no século XIV. Evite vê-lo durante as refeições. Ugh!
O espaço reduzido e as ruas apertadas da cidade, eram
lar pra cerca de 100 mil pessoas, a maioria imigrada atrás de liberdade e
iludidas com a promessa de ruas pavimentadas de ouro, de acordo com a fama de
opulência da cada vez mais importante capital inglesa.
Ao invés de ouro, as ruas fediam com pilhas de lama,
excremento humano e animal, restos de carne. O problema da disposição das fezes
é abordado com detalhes e imagens repugnantes. Profissões novas, como
limpadores de fossas, foram criadas; multas pra sujões existiam, mas quase
ninguém cumpria. Longe de não fazerem nada a respeito ou apreciarem a sujeira,
a infraestrutura medieval não possibilitava a erradicação da imundície.
Quem pensa em tornar-se vegetariano deveria ver esse
episódio; a indecisão certamente se desvaneceria. Dan Snow limpa um porco, com
riqueza de sons, inclusive (ele não mata o animal, mas os ruídos de quando se
chega aos intestinos, por exemplo, são nojentos).
Tanta
falta de higiene foi prato cheio pra Peste Negra, que, mudou o panorama
sócio-político europeu. No caso de Londres, metade da população pereceu, mas,
ao mesmo tempo, a epidemia encetou ações pra sanitarizá-la. Claro que os
leitores de Dickens, lá do século XIX, sabem que muitas partes da metrópole
eram muito insalubres, centúrias após a medievalidade. Finalmente, vi como Paris se livrou da fedentina e pestilência perenes que a sufocaram por séculos.
À época da Revolução Francesa (1789), a Cidade Luz não
fazia jus ao atual cognome. Inchada com mais de 500 mil habitantes, as ruas e o
Sena eram esgotos a céu aberto e a expectativa de vida dum parisiense pobre – a
maioria – era de meros 23 anos.
A suntuosidade de Versalhes não ficava muito atrás no
quesito imundície. Densamente povoado por moradores, visitantes e animais, o
palácio também não era exemplo de higiene. Chanel ficaria nauseabunda.
O apresentador-historiador Dan Snow novamente enfia as
mãos na meleca, desta vez reproduzindo o modo como o couro era tratado, num
processo que envolvia fezes caninas e urina humana.
Citada como um elemento deflagrador da Revolução, a
sujeira não foi eliminada por ela, porque a guilhotina comeu decepou pescoços
demais à época do terror, empesteando a cidade com milhares de cadáveres.
O
tão versejado brilho parisiense só luziu a partir da segunda metade do século
XIX, quando o prefeito Haussmann demoliu três quartos da cidade, mandou os
pobres pros subúrbios e idealizou um desenho urbano que tornou a capital mais
arejada e espaçosa, e, que, no processo, coibia levantes populares. Ao arrolar a (luta contra a) sujeira como mais um fator de reivindicações, lutas e mudanças, Filthy Cities ensina bastante. E embrulha o estômago.
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