terça-feira, 29 de janeiro de 2013

TELINHA QUENTE 69


Falta-me familiaridade com Anthony Trollope; li um único romance (resenhado aqui). Porque amo minisséries “de época” (sic, qualquer coisa é de época) e quero conhecer mais de seus enredos, vi os 2 capítulos de He Knew He Was Right (2004), estudo da desintegração paranóica duma personalidade.
Em visita às ficcionais Ilhas Mandarim, Louis Trevelyan casa-se com Emily, filha do governador inglês e mudam-se pra Londres em companhia de Nora, irmã de Emily. No começo, mil maravilhas. Até o ciúme doentio de Louis começar a dissolver-lhe a sanidade. Ele desconfia que o Coronel Osbourne, padrinho madurão da esposa, está dando em cima dela, e, pior, sendo correspondido.
Desconhecedora dos costumes da capital, Emily não se importa com as visitas – viu o que pode acontecer quando se admite uma “estrangeira”? Emily é inglesa, mas estava na colônia desde infante, tinha a marca da alteridade. O mal-afamado Coronel Osbourne nada faz pra dissuadir o mundo de pensar porcaria da amizade e Emily cai em desgraça com o marido, que literalmente a exila cada vez mais pra longe e perde cada vez mais a sanidade.
Longe de ser processo puramente individual, a crescente obsessão de Louis é alimentada por fofocas, informações deliberadamente falsificadas e repercutida em pelo menos uma subtrama. A obstinação de Emily em não admitir ao marido algo que não faz, deixa Louis mais desconfiado. Nossas sensibilidades impacientes do século XXI contrariam-se com a passividade de Emily. Mas, o livro é de 1869; não dá pra pedir muito mais.

O casal Louis e Emily me foi ingostável, mas a gênese duma personalidade mórbida toma dianteira. As tramas paralelas e subalternas são interessantes, por vezes divertidas, e, com a central, mostram a selvageria velada do mercado matrimonial vitoriano. 
O roteiro de Andrew Davies inclui quebra da quarta parede: personagens falam diretamente pro telespectador. Sabemos que é estratagema pra dar profundidade psicológica às personagens, mas não cai bem numa produção de tom realista. Em momentos cômicos até vá lá, mas Emily falando na carruagem, com sua irmã ao lado sem ouvi-la, é estranho. No século XIX ou parte do XX essa convenção funcionava, agora preferiria que ele tivesse usado o velho truque de fingir que a personagem estava pensando. De qualquer modo, lançar mão desses recursos formais, chama a atenção pras limitações da (tele)dramaturgia em expressar fluxos de consciência e como escamotear tais limites.
Sua voz não ajuda, mas Oliver Dimsdale está bem como o neurastênico Louis. Se eu fosse ele, ficaria mesmo meio enciumado do Coronel Osbourne, se esse fosse tão classudo e sotacudo como o sempre ótimo Bill Nighy. Laura Fraser não pôde fazer muito com o material que tinha em mãos. Emily é tão interessante quanto uma lista telefônica albanesa.
Isso abre espaço pros coadjuvantes roubarem a cena.  Atente pra deliciosa – ainda que estereotípica – tia solteirona e rica, interpretada por Joanna David, uma delícia. E David Tennant, como o Reverendo Gibson? Risada pra disfarçar a dureza do mercado matrimonial e da transferência de capital.
He Knew He Was Right capta o interesse a despeito de o par central ser tão difícil de se empatizar com. Trama central muito boa e subtramas saborosas, com atores e produção de primeira tornam essa mini pra lá de recomendável.
Não faço idéia se tem completo no You Tube, mas compensa pelo menos ouvir a maravilhosa canção de abertura.

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