A revista Trip publicou excelente matéria sobre o movimento das pessoas com albinismo no Brasil. O Programa Pró-Albino, o trabalho do fotógrafo Gustavo Lacerda, a APALBA, Andreza Cavalli e o trabalho deste blog mereceram destaque.
A luta por direitos e por visibilidade de um grupo que vive praticamente à margem da sociedade: os albinos
Em um mundo em que, com um pouco de articulação, toda causa consegue reverberar, Trip foi atrás de entender como tem evoluído a luta de um grupo que antes vivia escondido: o dos albinos
O galego destoava totalmente dos outros garotos de 13 anos de Lagoa da Canoa, município de 18 mil habitantes no sertão de Alagoas. Era estrábico, enxergava mal, tinha a pele e os cabelos brancos. Mas era ele – justo ele, o principal alvo de chacotas dos colegas, chamado de “cego”, “zarolho” e “instalação trocada” – quem namorava a menina mais bonita da escola. “A professora me perguntava se eu queria que ela castigasse os que me incomodavam. Eu dizia que não porque eles tinham inveja de mim.
Eu me vingava de outro jeito. Na frente dos moleques, perguntava a minha namorada: ‘O que você acha de mim?’. Ela respondia: ‘Te acho um pão. É o mais lindo de todos’. Aí não tinha pra ninguém”, conta o próprio, dando risada mais de 60 anos depois.
O galego, no caso, é Hermeto Pascoal, um dos maiores gênios da música instrumental, com turnês realizadas por Estados Unidos, Japão e Europa e cuja atenção internacional foi despertada ao gravar com Miles Davis, no início dos anos 70. Aos 76 anos, o “bruxo”, como é chamado, mantém intacto o talento para conquistar mulheres: há dez anos é casado com a cantora Aline Morena, 43 anos mais nova que ele. O casal mora em Curitiba, onde o sol castiga menos a pele de Hermeto. O mais famoso albino do Brasil é um exemplo de sucesso e autoafirmação para muitos que, como ele, nasceram com essa rara condição genética que afeta a produção de melanina e causa a falta de pigmentação nos olhos, na pele, nos cabelos e nos pelos.
A vida é dura para os albinos. Em primeiro lugar, no Brasil nem se sabe quantos são. Na Europa, estima-se que haja um a cada 17 mil habitantes, mas aqui não há qualquer levantamento. “É como se eles fossem invisíveis. Não existem dados sobre albinos no IBGE, já que não há a variável no Censo: quando questionados, alguns se identificam como negros porque os pais são negros, outros como pardos. Se o funcionário do cartório olha, registra como branco”, afirma Shirlei Moreira, fundadora da Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), única do gênero no Brasil. Não é por acaso que o único grupo organizado dessa minoria tenha surgido na Bahia, estado com a maior população negra do país. “A maior incidência de albinismo ocorre justamente entre afrodescendentes”, explica o dermatologista Marcus Maia, coordenador do Programa Nacional de Controle de Câncer de Pele e responsável pelo Pró Albino, programa da Santa Casa de Misericórdia, em São Paulo, que oferece atendimento de saúde gratuito a 71 albinos. A cada três meses, Maia e o oftalmologista Ronaldo Yuiti Sano fazem avaliações nesses pacientes para evitar que desenvolvam problemas como câncer de pele, envelhecimento precoce da pele e perda da visão.
Gustavo Lacerda
Andreza Cavalli, do grupo Albinos do meu Brasil
Os problemas de saúde surgem cedo. “Logo que nascem, muitos já apresentam baixa visão por causa da falta de pigmentação na retina. Na infância, têm dificuldades para acompanhar a escola porque não conseguem enxergar a lousa. Há muita evasão escolar. Muitos não sabem ler ou escrever, o que os deixa ainda mais isolados”, conta Shirlei, da Apalba. Também há o problema da pele, que envelhece muito rapidamente. “Já vi garotos de 20 anos com a pele de alguém de 60 anos. Dependendo do grau de exposição ao sol, podem desenvolver câncer de pele.”
Para se proteger, a estudante de educação física Andreza Cavalli, de São Paulo, procura usar calças e camisas de mangas compridas. Todos os dias, passa protetor solar com fator 60 nas regiões descobertas do corpo. “Além disso, uso óculos escuros e chapéu. É uma obrigação, não tenho escolha. Vira um hábito como escovar os dentes”, explica a moça, que criou um grupo no Facebook chamado Albinos do meu Brasil e do Mundo para trocar dicas e informações sobre o tema. Um grupo de 20 deles se reúne periodicamente para conversar.
Albino incoerente
Existem no mercado roupas e chapéus com proteção contra raios ultravioleta, mas os preços são altos. “Uma camisa custa R$ 200. É cara e as cores e os modelos são limitados”, explica o professor universitário Roberto Bíscaro, autor do blog
Albino incoerente – perspectivas albinas de vida. Criada em fevereiro de 2009, a página recebe 300 visitas por dia. “Não existia praticamente nada sobre albinismo em português. Criei o blog na tentativa de preencher essa lacuna e acabou virando uma referência. Tem agências de propaganda que me procuram em busca de personagens albinos para comerciais.”
A falta de estatísticas dificulta a criação de políticas públicas voltadas para a minoria. “É um círculo vicioso. É difícil definir ações de governo porque você não sabe quem é o público-alvo, quantos são e onde vivem”, afirma Roberto. Campanhas contra o preconceito também são necessárias. “Conheço muitos albinos que não conseguem emprego por causa da aparência”, diz o professor. A questão da autoestima é um dos temas mais delicados. Autor da série “Albinos”, da qual fazem parte as imagens espalhadas por estas páginas, o fotógrafo mineiro Gustavo Lacerda conta como lidou com isso. “Eu queria imagens posadas e não ‘roubadas’ na rua. Convidava as pessoas, elas vinham, eram maquiadas e tinham um figurino. Elas eram o centro de atenção, mas não de uma maneira negativa como estão acostumadas. Pelo contrário, a ideia era ressaltar a beleza”, afirma o artista, que começou o trabalho em 2009. Desde então, o ensaio recebeu o prêmio Conrado Wessel de Arte 2011, foi exposto na mostraEuropalia, em Bruxelas, e será exibido em setembro no Museu do Quai Branly, em Paris. Além disso, um livro com as imagens será publicado pela editora Madalena, do fotógrafo Iatã Cannabrava.
A ideia de melhorar a autoestima funcionou. Pelo menos no caso de Patrícia de Matos Cardoso, a escoteira que aparece na abertura desta reportagem. As fotos da adolescente de 16 anos e de Andreza Cavalli foram adquiridas pelo Museu de Arte de São Paulo para fazer parte da Coleção Pirelli. “Eu era insegura com tudo. Não me achava bonita. O ensaio mudou minha visão sobre mim mesma.” Quando foi ao estúdio de Gustavo Lacerda, Patrícia só queria uma foto. Nem sonhava que aquilo iria para tantos lugares. “Foi uma ótima surpresa”, ela conta.
Gens Grossman/LAIF
Crianças da Tanzânia
IMAGINE NA TANZÂNIA
Em algumas regiões do continente africano, a situação dos albinos é ainda pior do que no Brasil. O caso mais grave é na Tanzânia, onde em algumas tribos acredita-se que partes dos corpos dos albinos têm poderes mágicos, o que leva ao assassinato e à mutilação de centenas deles. Há também os casos de garotas albinas que são estupradas por homens portadores do vírus HIV por causa da crença de que elas curariam a Aids. Para lutar contra essas atrocidades, existe uma ONG canadense chamada Under the Same Sun, que dá assistência aos albinos na região. O site da organização é www.underthesamesun.com
Vai lá:
Apalba:
www.apalba.org.brSanta Casa de Misericórdia de São Paulo:
www.santacasasp.org.brBlog do albino incoerente:
www.albinoincoerente.comAlbinos do meu Brasil e do mundo:
www.facebook.com/groupsalbinosdomeubrasiledomundo
http://revistatrip.uol.com.br/revista/220/reportagens/white-power.html#0