sexta-feira, 19 de abril de 2013

PAPIRO VIRTUAL 51


Roberto Rillo Bíscaro

Não dei conta de permanecer no reino encantado de C. S. Lewis e refugiei-me temporariamente no “real” mundo eduardiano d’outro inglês, E. M. Forster. Li A Room With a View (1908), que se pertencesse a nossa literatura seria teleologicamente catalogado como pré-modernista, pois apresenta uma heroína bem mais comum do que as d’antanho, mas formal, estrutural e linguisticamente não contém as rupturas modernistas.

Disfarçando tenuamente seu esnobismo bloomsburiano – grupo do qual realmente nunca fez parte mais do que periférica – o cunhador dos termos personagem redonda e plana delineia a historieta de amor e busca por independência da jovem da classe média remediada Lucy Honeychurch (ai que sobrenome docemente simbólico).
Na Itália, um grupo de turistas ingleses compartilha a pensão Bertolini. Dentre os hóspedes, Lucy e sua prima solteirona Miss Bartlet, amarga defensora da moral e dos bons costumes vitorianos e única personagem interessante. . Também papai Emerson e seu filhotão George. Durante o jantar, os xarás do transcendentalista norte-americano ouvem que Lucy a Charlote não estão felizes com a vista de seus quartos. Intrometendo-se, o velho Emerson oferece publicamente seus quartos às reservadas damas, cometendo tremenda impropriedade social, ao querer alargar a visão das inglesas. Ler esse tipo de livro hoje pode gerar certa raiva, porque dá ganas de doar um bom tanque de roupa suja pr’essa gente se ocupar. De qualquer modo, não deixa de ser útil caso resulte em (auto)avaliação de nossos costumes e pequenezas sociais contemporâneas.
Lucy está na Itália pra “adquirir cultura”. Pertence àquela categoria de viajante associada à ascensão burguesa e ao barateamento do viajar: o turista, que munido com seu guia segue os pontos turísticos ou insiste em ser diferente pra conhecer o país “de verdade”, aquele não constante dos roteiros. Se a nobreza tinha seu Grand Tour – quando passeava pela Europa continental pra conhecer seus costumes, reafirmar a superioridade inglesa e voltar pra casa sem ter mudado nada – a classe média inventou e desfrutou dos grupos de excursão e protótipos de cartão de crédito, tudo inventado por ingleses no século XIX.
Miss Honeychurch está programada pra matrimônio com Cecil, jovem culto e enfastiado com o mundo, de excelente família e conexões adequadas. Sempre à procura de opiniões e gostos aprovados socialmente, Lucy sente suas aspirações sócioculturais tremerem quando conhece a sinceridade aberta de George e seu pai. De volta à Inglaterra, Lucy se conformará em viver o matrimônio e as opiniões que se esperam duma menina de sua posição (presunção, posto os Honeychruch estarem longe da riqueza)?
Claro que a independência de Miss Honeychurch ocorre dentro dos limites de possibilidade permitidos a uma mulher de sua classe social; A Room With a View foi escrito quando mulher nem sonhava em votar.
Louvado pela sutileza, Forster compôs uma sátira leve duma fração de classe, que ostenta mais ares do que a quantidade de oxigênio que realmente tem.
Meu problema com o livro é que não é crível o enamoro de George e Lucy. Será que é sutil demais ou realmente é difícil se importar com George, um zero a esquerda? Eles se apaixonam do nada. Katherine Mansfield escreveu em seu diário algo como Forster apenas esquentar a água, mas nunca apresentar um chá. Tenho que concordar com ela no caso de A Room With a View.
Mr. Emerson e sua sinceridade manifestam-se em momentos públicos, arbitrários e inverossímeis, algumas vezes as atitudes em total contraste com algumas das ideias. Não se sabe quem é mais chato, ele ou as pessoas que sua inconveniência discursiva pretendem criticar.
Freddy, irmão de Lucy, é outro dos ineptos jovens estudantes de E. M. Forster. Como não ligá-lo ao estúpido Tibby, de Howard’s End? Claro que isso não é defeito, como as 2 implicâncias acima.
O estilo mordaz de Forster garante momentos deliciosos de ironia, mas A Room With a View provavelmente agrade mais a estudiosos de certo tipo/período da literatura ou do período eduardiano do que a alguém atrás duma narrativa excitante e que entretenha.
O livro foi adaptado pra telona e pra telinha mais duma vez. No You Tube, voce pode ver em inglês sem legendas:
1 - A versão pra telona dirigida por James Ivory, de 1985, com Maggie Smith e Denholm Elliot roubando todas as cenas onde estão

2 - A versão da iTV, de 2007, com Elizabeth McGovern (a Lady Grantham, de Downton Abbey) no elenco

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