Roberto Rillo Bíscaro
Não dei conta de permanecer no reino encantado de C. S.
Lewis e refugiei-me temporariamente no “real” mundo eduardiano d’outro inglês,
E. M. Forster. Li A Room With a View (1908), que se pertencesse a nossa
literatura seria teleologicamente catalogado como pré-modernista, pois apresenta
uma heroína bem mais comum do que as d’antanho, mas formal, estrutural e
linguisticamente não contém as rupturas modernistas.
Disfarçando tenuamente seu esnobismo bloomsburiano –
grupo do qual realmente nunca fez parte mais do que periférica – o cunhador dos
termos personagem redonda e plana delineia a historieta de amor e busca por
independência da jovem da classe média remediada Lucy Honeychurch (ai que
sobrenome docemente simbólico).
Na Itália, um grupo de turistas ingleses compartilha a
pensão Bertolini. Dentre os hóspedes, Lucy e sua prima solteirona Miss Bartlet,
amarga defensora da moral e dos bons costumes vitorianos e única personagem interessante.
. Também papai Emerson e seu filhotão George. Durante o jantar, os xarás do
transcendentalista norte-americano ouvem que Lucy a Charlote não estão felizes
com a vista de seus quartos. Intrometendo-se, o velho Emerson oferece
publicamente seus quartos às reservadas damas, cometendo tremenda impropriedade
social, ao querer alargar a visão das inglesas. Ler esse tipo de livro hoje
pode gerar certa raiva, porque dá ganas de doar um bom tanque de roupa suja pr’essa
gente se ocupar. De qualquer modo, não deixa de ser útil caso resulte em (auto)avaliação
de nossos costumes e pequenezas sociais contemporâneas.
Lucy está na Itália pra “adquirir cultura”. Pertence àquela
categoria de viajante associada à ascensão burguesa e ao barateamento do
viajar: o turista, que munido com seu guia segue os pontos turísticos ou
insiste em ser diferente pra conhecer o país “de verdade”, aquele não constante
dos roteiros. Se a nobreza tinha seu Grand Tour – quando passeava pela Europa
continental pra conhecer seus costumes, reafirmar a superioridade inglesa e voltar
pra casa sem ter mudado nada – a classe média inventou e desfrutou dos grupos
de excursão e protótipos de cartão de crédito, tudo inventado por ingleses no
século XIX.
Miss Honeychurch está programada pra matrimônio com
Cecil, jovem culto e enfastiado com o mundo, de excelente família e conexões
adequadas. Sempre à procura de opiniões e gostos aprovados socialmente, Lucy
sente suas aspirações sócioculturais tremerem quando conhece a sinceridade
aberta de George e seu pai. De volta à Inglaterra, Lucy se conformará em viver
o matrimônio e as opiniões que se esperam duma menina de sua posição
(presunção, posto os Honeychruch estarem longe da riqueza)?
Claro que a independência de Miss Honeychurch ocorre
dentro dos limites de possibilidade permitidos a uma mulher de sua classe
social; A Room With a View foi escrito quando mulher nem sonhava em votar.
Louvado pela sutileza, Forster compôs uma sátira leve
duma fração de classe, que ostenta mais ares do que a quantidade de oxigênio
que realmente tem.
Meu problema com o livro é que não é crível o enamoro
de George e Lucy. Será que é sutil demais ou realmente é difícil se importar
com George, um zero a esquerda? Eles se apaixonam do nada. Katherine Mansfield
escreveu em seu diário algo como Forster apenas esquentar a água, mas nunca apresentar
um chá. Tenho que concordar com ela no caso de A Room With a View.
Mr. Emerson e sua sinceridade manifestam-se em momentos
públicos, arbitrários e inverossímeis, algumas vezes as atitudes em total
contraste com algumas das ideias. Não se sabe quem é mais chato, ele ou as
pessoas que sua inconveniência discursiva pretendem criticar.
Freddy, irmão de Lucy, é outro dos ineptos jovens
estudantes de E. M. Forster. Como não ligá-lo ao estúpido Tibby, de Howard’s End?
Claro que isso não é defeito, como as 2 implicâncias acima.
O estilo mordaz de Forster
garante momentos deliciosos de ironia, mas A Room With a View provavelmente
agrade mais a estudiosos de certo tipo/período da literatura ou do período
eduardiano do que a alguém atrás duma narrativa excitante e que entretenha.
O livro foi adaptado pra telona e pra telinha mais duma vez. No You Tube, voce pode ver em inglês sem legendas:
1 - A versão pra telona dirigida por James Ivory, de 1985, com Maggie Smith e Denholm Elliot roubando todas as cenas onde estão
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