segunda-feira, 27 de maio de 2013

CAIXA DE MÚSICA 96/TELONA QUENTE 72

No começo dos anos 1980, a Globo inventou de reviver a glória dos festivais de MPB, delícia e coqueluche da década de chumbo sessentista. Revoltei-me quando Planeta Água, de Guilherme Arantes, perdeu pra Purpurina, cantada por Lucinha Lins. Xinguei em casa, enquanto a plateia vaiante proporcionava momento inesquecível à então esposa de Ivan Lins. Purpurina é bonita, mas a canção do Gui tinha aquele “plus a mais” arrebatador de plateias. Canção pra festival tem que catalisar, fazer a multidão celebrar, afinal, festivais têm raiz religiosa.
Nos ditatoriais anos 1960, os festivais da Record juntavam a celebração da torcida por uma canção a uma das poucas alternativas de expressão restantes em um governo militar apertando o cerco. Hora da população ter alguma voz ativa (embora o resultado final fosse escolhido por um júri), expressando o desejo veiculado na Roda Viva buarquiana.
Em 2010, os diretores Ricardo Calil e Renato Terra buscaram reconstituir o final do festival de 1967. Uma Noite em 67 traz entrevistas com diversos protagonistas do evento, em cujas falas se percebe o quanto havia em jogo naquela disputa digna de final de campeonato de futebol.
Pra emissora era um programa que deveria sair perfeito e alcançar alta audiência, pros artistas era vitrine importante pra divulgar trabalho e alicerçar carreiras, algumas começando. Acima e permeando tudo, era também o embate da estética da MPB “tradicional”, cantada de terno e gravata e novas ideias de vestuário e adição de elementos pop-roqueiros à nossa música. Mas essa proposta esbarrava na percepção da guitarra como elemento da dominação norte-americana e quem era um pouco antenado já sabia da participação do Tio Sam no engendramento do Golpe de 1964.
Tal complexidade desponta nas falas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nelson Mota, Roberto Carlos, Edu Lobo e mais gente importante. Uma riqueza ouvir sobre as (in)certezas do programa político-cultural da Tropicália; sobre a estupefação tanto do “tradicional” MPB4 quanto do Tremendão jovem-guardista Erasmo Carlos durante um show de Caê Velô; sobre o equívoco compreensível da marcha contra a guitarra elétrica.
O festival de 67 presenteou nosso cancioneiro com clássicos como Alegria, Alegria, de Caetano; Domingo no Parque, de Gil & Mutantes, Ponteio, de Edu Lobo e Roda Vida, de Chico. Foi também quando Sérgio Ricardo surtou e quebrou violão no palco. A necessidade de verticalização pra entendermos o significado de canções tão fundamentais (será que já há estudo sobre o quanto Caê influenciou o modo de fazer letras na MPB?) deixa as demais participantes de lado, gerando em mim curiosidade de conhecê-las todas. E isso é bom.  
Recheado de imagens da transmissão original da Record, Uma Noite em 67 parece-me essencial pra conhecer (melhor) esse período até hoje influente na nossa música popular.
O documentário está completo no You Tube:

Nenhum comentário:

Postar um comentário