sexta-feira, 3 de maio de 2013

PAPIRO VIRTUAL 53


Roberto Rillo Bíscaro

Anglocêntrico demais chamar H. G. Wells de “pai da ficção científica”. E Jules Verne? Também não curto a noção burguesa de que alguém tenha que ser sozinho o PAI d’alguma coisa.
Polêmicas a parte, li texto fundamental pro universo sci fi: The Time Machine (1895). Wells não apenas deu o nome que todo autor usaria pra geringonças capazes de deslizar no tempo, como se esse fosse a quarta dimensão, mas esbarrou numa das obsessões de seus colegas do futuro modernismo, a passagem do tempo.  
Um cientista-cavalheiro vitoriano viaja ao futuro, ao ocaso da humanidade, polarizada entre os dançantes e estúpidos Eloi e os subterrâneos e estúpidos Morlock (cuja extrema alvura e fotofobia são objetos de nojo, espanto e ódio por parte do narrador. Albinismo não é nomeado, mas intuído).
Wells não comungava da noção positivista de que a ciência traria paz, ordem ou felicidade. Pelo contrário, a vitória do homem sobre a natureza – gerando um mundo sem perigos, doenças, necessidade de luta ou esforço (pruma parcela) – levou à decadência da espécie humana.
O viajante temporal assume que sua explicação pro que viu pode estar errada. O leitor experimenta muitas de suas dúvidas e vai descobrindo junto com ele. No começo, o comunismo é percebido como causador da decadência. Depois, a divisão entre os abastados Elois e os escravizados Morlocks é entendida como real problema. Depois ainda, descobrimos que os Morlocks não são necessariamente escravos, mas começam a dominar os Eloi, trazendo o medo de volta e fazendo-os de comida.
Essa corrosão da onisciência do narrador obviamente põe em xeque seus julgamentos e nos faz duvidar até mesmo do que ele provavelmente não supunha que duvidássemos. Por exemplo, a explicação que dá pra decadência da espécie humana implode, mas talvez ele nem haja percebido. Ele afirma que a degeneração ocorreu porque Elois e Morlocks atingiram a harmonia, ou seja, esses trabalhavam praqueles, cada grupo assumindo tais traços como segunda natureza. Ora, isso não é harmonia, é exploração, divisão brutal de classes e total alienação, dai o problema apocalíptico da humanidade.
Nos termos de Wells, a necessidade é a mãe de todo progresso, mas parece que os infantilizados Eloi já haviam passado do ponto de reação contra a matança Morlock, porque os capítulos finais d’A Máquina do Tempo brilhante e assustadoramente descrevem o fim da jornada da Terra. Mas, talvez coubesse a problematização: a necessidade, afinal, não seria mãe tão poderosa quanto parecia querer o evolucionista Wells, afinal, os Elois necessitavam fazer algo, mas isso não os impeliu a uma retomada do progresso humano.
Divertido notar o limite que a tecnologia do tempo impôs à imaginação de Wells (e a de qualquer escritor, claro). Ao descrever um museu em ruínas, ele não consegue imaginar nada além de livros, como registro dos tempos transformados em pó pela indolência Eloi.
Menos de 20 anos depois, as bombas despencando sobre cidades europeias, tornavam obsoleta a maior parte da realidade criada por H. G. Wells, em The Time Machine. A influência do romance, porém, deve ter excedido qualquer prognóstico futurista sonhado pelo autor. Não está escrito em gibi algum o tanto que foi adaptado, plagiado e/ou serviu como base pra filmes, séries, programas de rádio. Eis um exemplo:

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