Roberto Rillo Bíscaro
Anglocêntrico demais chamar H. G. Wells de “pai da
ficção científica”. E Jules Verne? Também não curto a noção burguesa de que
alguém tenha que ser sozinho o PAI d’alguma coisa.
Polêmicas a parte, li texto fundamental pro universo sci fi: The Time Machine (1895). Wells
não apenas deu o nome que todo autor usaria pra geringonças capazes de deslizar
no tempo, como se esse fosse a quarta dimensão, mas esbarrou numa das obsessões
de seus colegas do futuro modernismo, a passagem do tempo.
Um cientista-cavalheiro vitoriano viaja ao futuro, ao
ocaso da humanidade, polarizada entre os dançantes e estúpidos Eloi e os subterrâneos
e estúpidos Morlock (cuja extrema alvura e fotofobia são objetos de nojo,
espanto e ódio por parte do narrador. Albinismo não é nomeado, mas intuído).
Wells não comungava da noção positivista de que a
ciência traria paz, ordem ou felicidade. Pelo contrário, a vitória do homem
sobre a natureza – gerando um mundo sem perigos, doenças, necessidade de luta
ou esforço (pruma parcela) – levou à decadência da espécie humana.
O viajante temporal assume que sua explicação pro que
viu pode estar errada. O leitor experimenta muitas de suas dúvidas e vai
descobrindo junto com ele. No começo, o comunismo é percebido como causador da
decadência. Depois, a divisão entre os abastados Elois e os escravizados
Morlocks é entendida como real problema. Depois ainda, descobrimos que os
Morlocks não são necessariamente escravos, mas começam a dominar os Eloi,
trazendo o medo de volta e fazendo-os de comida.
Essa corrosão da onisciência do narrador obviamente põe
em xeque seus julgamentos e nos faz duvidar até mesmo do que ele provavelmente
não supunha que duvidássemos. Por exemplo, a explicação que dá pra decadência
da espécie humana implode, mas talvez ele nem haja percebido. Ele afirma que a
degeneração ocorreu porque Elois e Morlocks atingiram a harmonia, ou seja,
esses trabalhavam praqueles, cada grupo assumindo tais traços como segunda
natureza. Ora, isso não é harmonia, é exploração, divisão brutal de classes e
total alienação, dai o problema apocalíptico da humanidade.
Nos termos de Wells, a necessidade é a mãe de todo
progresso, mas parece que os infantilizados Eloi já haviam passado do ponto de
reação contra a matança Morlock, porque os capítulos finais d’A Máquina do
Tempo brilhante e assustadoramente descrevem o fim da jornada da Terra. Mas,
talvez coubesse a problematização: a necessidade, afinal, não seria mãe tão
poderosa quanto parecia querer o evolucionista Wells, afinal, os Elois
necessitavam fazer algo, mas isso não os impeliu a uma retomada do progresso
humano.
Divertido notar o limite que a tecnologia do tempo impôs
à imaginação de Wells (e a de qualquer escritor, claro). Ao descrever um museu
em ruínas, ele não consegue imaginar nada além de livros, como registro dos
tempos transformados em pó pela indolência Eloi.
Menos de 20 anos depois, as
bombas despencando sobre cidades europeias, tornavam obsoleta a maior parte da realidade
criada por H. G. Wells, em The Time Machine. A influência do romance, porém,
deve ter excedido qualquer prognóstico futurista sonhado pelo autor. Não está
escrito em gibi algum o tanto que foi adaptado, plagiado e/ou serviu como base
pra filmes, séries, programas de rádio. Eis um exemplo:
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