Herdeiro do Império Mali, cantor albino Salif Keita luta contra o preconceito
RAFAEL ANDERY
Um homem negro com a pele branca, um homem branco com o sangue negro. Esse é Salif Keita, 63, um dos músicos africanos mais respeitados da atualidade. Salif tem albinismo, anomalia genética caracterizada pela falta de pigmentação na pele e que afeta, aproximadamente, uma em cada 13.000 pessoas -e é mais comum entre povos africanos.
Albinos costumam ter a visão comprometida por astigmatismo e
fotofobia. A ausência total ou parcial de pigmentação da pele também os torna
mais suscetíveis a queimaduras provocadas pelo sol e ao câncer de pele.Um homem negro com a pele branca, um homem branco com o sangue negro. Esse é Salif Keita, 63, um dos músicos africanos mais respeitados da atualidade. Salif tem albinismo, anomalia genética caracterizada pela falta de pigmentação na pele e que afeta, aproximadamente, uma em cada 13.000 pessoas -e é mais comum entre povos africanos.
Além disso, sofrem com preconceito, agressões verbais e até
crendices. Em alguns países da África, como a Tanzânia e o Burundi, acredita-se
que partes do corpo de albinos possuem propriedades mágicas e atraem riqueza se
usadas em certas poções produzidas por curandeiros.
Entusiastas mais exaltados garantem que a bruxaria é ainda
mais poderosa caso a vítima grite durante a amputação. Por isso, muitas vezes,
as mutilações acontecem com a pessoa ainda viva. A crença alimenta um lucrativo
mercado negro de braços, pernas e mãos brancas.
Ser albino, para Salif Keita, obviamente, não foi uma
escolha. Já a música, diz ele, foi a única opção. É descendente direto de
Sundiata Keita (1217-1255), o fundador do Império Mali, que se espalhou entre
os séculos 13 e 17 por áreas que hoje englobam nove países africanos.
A cidade de Timbuktu, símbolo maior do império, foi durante
muito tempo um dos principais polos culturais fora da Europa. Salif Keita tinha
tudo para levar uma vida fácil.
Mas nem a origem nobre foi capaz de neutralizar o
preconceito contra o albinismo. Salif tinha dificuldade em conseguir emprego.
"Cheguei a falar para minha mãe que tinha apenas três saídas: ou virava
ladrão, ou me suicidava, ou virava músico", disse Salif. Ganhou a última.
No sistema de castas malinês, a música é uma função
desempenhada por extratos mais baixos da sociedade. "De certo modo eu traí
minha família, mas foi uma bela traição", conta ele, hoje conhecido como
"a voz dourada da África".
Com sua banda, Les Ambassadeurs, Salif trocou o Mali pela
Costa do Marfim durante a década de 1970. O sucesso internacional veio pouco
tempo depois, no começo dos anos 1980, quando o artista se mudou para Paris em
busca de maior audiência para seus trabalhos.
De lá para cá, já tocou com nomes consagrados,
como o saxofonista Wayne Shorter, o guitarrista Carlos Santana e, mais
recentemente, em seu último disco, a contrabaixista e cantora Esperanza
Spalding.
HOMENAGEM DESCONHECIDA
"Quando ouvi Salif Keita, dancei", canta Chico
César na música "À Primeira Vista", de 1996, um dos maiores hits da
carreira do cantor brasileiro. O africano não fazia a menor ideia da homenagem,
embora já tenha tocado com Chico e seja admirador de seu trabalho.
O último disco de Salif, "Talé", lançado no final
de 2012, foi produzido pelo francês Phillipe Cohen Solal, mais conhecido por
seu trabalho à frente do grupo de tango eletrônico Gotan Project.
Quem clicou Salif Keita para Serafina foi o fotógrafo
mineiro Gustavo Lacerda, que desenvolve um projeto em que registra imagens de
albinos. "Tinha interesse em trabalhar com pessoas que estivessem à margem
da sociedade", conta. "Em geral, são pessoas tímidas, que se mostram
apreensivas por estarem ali, sendo fotografadas."
Salif não é, por assim dizer, exatamente tímido. Em passagem
por São Paulo, no mês passado, quando fez dois shows no Sesc Pompeia, o cantor
puxou um coro de "Parabéns" pelo seu próprio aniversário (que não era
naquele dia) e ainda agradeceu aos fãs brasileiros em espanhol: "Muchas
gracias".
Fora do palco, entretanto, é outra história. Aparentando
mais do que os seus 63 anos, Salif fala muito mansamente, sorri pouco e é
extremamente educado. Mas está cansado da vida de artista.
"Hoje em dia, venda de discos não dá dinheiro, existe
muita pirataria", reclama. "Só consigo lucrar com shows e
turnês." Aconselharia a música como carreira para suas filhas?
"De jeito nenhum. Não quero que elas morram de
fome", dramatiza o cantor, que tem duas filhas albinas. Uma delas é a
atleta paraolímpica Nantenin Keita, 28, medalha de prata e bronze nos Jogos de
Pequim (2008) e bronze em Londres (2012) -todas conquistadas na categoria de
corrida T13, exclusiva para cegos.
Atualmente, o músico dedica parte de seu tempo e de seu
dinheiro à manutenção da Fundação Global Salif Keita. Fundada em 2005 e com
sede nos Estados Unidos, a instituição se dedica ao tratamento e inclusão
social de pessoas com albinismo.
Dos antepassados, Salif herdou duas coisas, a
herança genética que lhe causou o albinismo e a "nobreza", que ele
mesmo questiona. "O que é nobreza? Fazer guerra, se comunicar pela
violência? Você vira nobre por seus gestos. Quem vai dizer o contrário?",
indaga o homem negro de pele branca e sangue azul.http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2013/06/1302415-herdeiro-do-imperio-mali-cantor-albino-salif-keita-luta-contra-o-preconceito.shtml
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