sexta-feira, 9 de agosto de 2013

PAPIRO VIRTUAL 62


Roberto Rillo Bíscaro

Quem não desejou ser invisível pra escutar conversas, escapulir de alguém ou fazer/pegar algo incógnito. Geralmente sonhamos com a invisibilidade pra driblar alguma convenção social. Por isso, Platão afirmou na República que ser invisível não combina com um mundo justo. Segundo o filósofo, o comportamento justo só é possível pela coerção social da visibilidade. Será que H. G. Wells usou o grego como mote pra The Invisible Man, serializado em 1897?
Griffin, jovem intelectual pobre com sério complexo de inferioridade e paranoico de que roubem seu trabalho, descobre a fórmula da invisibilidade. O Homem Invisível é o típico cientista maluco que faz tudo sozinho – contradizendo o próprio estatuto da ciência como caminho construído por descobertas, que, juntas, levam a uma aparentemente maior.  
Quantos exemplos positivos ou negativos temos tido de personagens assim! Talvez a figura do cientista fascine tanto porque a ficção passe essa visão romantizada dum indivíduo que trabalha segundo seus próprios termos e horários etc.
Para financiar sua pesquisa Griffin surrupia dinheiro do pai, levando-o à morte. Quando teme que descubram seu segredo, incendeia a hospedaria onde realizara os experimentos, ou seja, sua conquista científica é originada a partir de más ações. E, como tudo que começa mal termina mal, segundo o adágio popular, a coisa só deteriora.
Quase imediatamente, o que parecia dádiva se transforma em maldição. O Homem Invisível tem que lidar com a estranheza de andar sem olhar o corpo, de ter que tomar mais cuidado do que se fosse visível, afinal, tem que andar pelos outros também. Caminhada defensiva. Quando assume a narrativa, Griffin flerta mesmo com a futilidade de se pensar realmente em invisibilidade, porque qualquer nevasca ou lama no pé revelava contornos.

Se Griffin já levava alguns parafusos desapertados antes de sumir aos olhos dos demais, imagine depois que desaparece e começa a tirintar de frio (ele passa a maior parte do livro peladão), ter que tomar extremo cuidado ao comer (a comida aparece sendo digerida em seu interior, bluergh!), mas também com a sensação de que pode tudo e passa a ter ideias de instalar um Reino do Terror, onde seria monarca absoluto e o calendário alterado a partir de seu surgimento. O patético de Griffin reside muito na inabilidade psicótica de perceber que a realidade enfrentada sendo invisível contradiz os sonhos megalômanos a la Revolução Francesa (lembram que também instauraram novo calendário e a coisa degringolou pro Terror?).
Outra forma interessante de investigar a falência do Homem Invisível seria contrastar a esquizofrenia ideológica de sua posição: se a invisibilidade significava passo rumo à modernidade científica, o desejo medieval dum reino absoluto – portanto, antes do primado da ciência e do racionalismo que possibilita o avanço científico por ele realizado – trai o reacionarismo latente de Griffin. Tal dicotomia só pode levar a colapso.
The Invisible Man foi adaptado ou inspirou diversas obras pra cine/TV e a condição de possibilidade pra invisibilidade do protagonista, nos termos de H. G. Wells, sempre foi sonegada, a saber, seu albinismo. Segundo o narrador, somos constituídos de tecidos transparentes, exceto pelo sangue e pigmentos. O sangue Griffin conseguiu tornar transparente, pigmentos não. Daí, a “vantagem” de ser albino; apenas nós poderíamos ser invisíveis. Mas, como no fim das contas, Griffin é doidivanas, lá vai outra representação negativa de pessoa com albinismo! Não esqueçamos que em The TimeMachine, do mesmo autor, os Morlocks eram “albinos”.
Capítulos não muito longos, mais descritivos do que analíticos, agilizam a narrativa, ao que se somam boas doses de suspense e ação. Não duvido que a obra ainda desperte interesse nos leitores contemporâneos.

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