Roberto Rillo Bíscaro
Quem não desejou ser invisível pra escutar conversas,
escapulir de alguém ou fazer/pegar algo incógnito. Geralmente sonhamos com a
invisibilidade pra driblar alguma convenção social. Por isso, Platão afirmou na
República que ser invisível não combina com um mundo justo. Segundo o filósofo,
o comportamento justo só é possível pela coerção social da visibilidade. Será
que H. G. Wells usou o grego como mote pra The Invisible Man, serializado em
1897?
Griffin, jovem intelectual pobre com sério complexo de
inferioridade e paranoico de que roubem seu trabalho, descobre a fórmula da
invisibilidade. O Homem Invisível é o típico cientista maluco que faz tudo
sozinho – contradizendo o próprio estatuto da ciência como caminho construído
por descobertas, que, juntas, levam a uma aparentemente maior.
Quantos exemplos positivos ou negativos temos tido de
personagens assim! Talvez a figura do cientista fascine tanto porque a ficção
passe essa visão romantizada dum indivíduo que trabalha segundo seus próprios
termos e horários etc.
Para financiar sua pesquisa Griffin surrupia dinheiro
do pai, levando-o à morte. Quando teme que descubram seu segredo, incendeia a
hospedaria onde realizara os experimentos, ou seja, sua conquista científica é
originada a partir de más ações. E, como tudo que começa mal termina mal,
segundo o adágio popular, a coisa só deteriora.
Quase imediatamente, o que
parecia dádiva se transforma em maldição. O Homem Invisível tem que lidar com a
estranheza de andar sem olhar o corpo, de ter que tomar mais cuidado do que se
fosse visível, afinal, tem que andar pelos outros também. Caminhada defensiva.
Quando assume a narrativa, Griffin flerta mesmo com a futilidade de se pensar
realmente em invisibilidade, porque qualquer nevasca ou lama no pé revelava
contornos.
Se Griffin já levava alguns parafusos desapertados
antes de sumir aos olhos dos demais, imagine depois que desaparece e começa a tirintar
de frio (ele passa a maior parte do livro peladão), ter que tomar extremo
cuidado ao comer (a comida aparece sendo digerida em seu interior, bluergh!),
mas também com a sensação de que pode tudo e passa a ter ideias de instalar um
Reino do Terror, onde seria monarca absoluto e o calendário alterado a partir
de seu surgimento. O patético de Griffin reside muito na inabilidade psicótica
de perceber que a realidade enfrentada sendo invisível contradiz os sonhos
megalômanos a la Revolução Francesa (lembram que também instauraram novo
calendário e a coisa degringolou pro Terror?).
Outra forma interessante de investigar a falência do
Homem Invisível seria contrastar a esquizofrenia ideológica de sua posição: se
a invisibilidade significava passo rumo à modernidade científica, o desejo
medieval dum reino absoluto – portanto, antes do primado da ciência e do
racionalismo que possibilita o avanço científico por ele realizado – trai o
reacionarismo latente de Griffin. Tal dicotomia só pode levar a colapso.
The Invisible Man foi adaptado ou inspirou diversas
obras pra cine/TV e a condição de possibilidade pra invisibilidade do
protagonista, nos termos de H. G. Wells, sempre foi sonegada, a saber, seu
albinismo. Segundo o narrador, somos constituídos de tecidos transparentes,
exceto pelo sangue e pigmentos. O sangue Griffin conseguiu tornar transparente,
pigmentos não. Daí, a “vantagem” de ser albino; apenas nós poderíamos ser
invisíveis. Mas, como no fim das contas, Griffin é doidivanas, lá vai outra
representação negativa de pessoa com albinismo! Não esqueçamos que em The TimeMachine, do mesmo autor, os Morlocks eram “albinos”.
Capítulos não muito longos,
mais descritivos do que analíticos, agilizam a narrativa, ao que se somam boas
doses de suspense e ação. Não duvido que a obra ainda desperte interesse nos
leitores contemporâneos.
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