Roberto Rillo Bíscaro
Mesmo cientes da arbitrariedade de se fatiar a História
em décadas, continuamos nos referindo aos anos 1960 ou aos 1840. Facilita
cognitivamente e dá um senso de ordem; de começo, meio e fim, sei lá.
Necessitamos disso pra botar algum sentido nesse mundão. Este blog tem até o
marcador Anos 80 e se a coisa aconteceu em 79 ou 90 não é digna de levar essa tag.
Vivo querendo me aprofundar no entendimento de minha
década favorita, destarte não hesitei em baixar The 80’s: the Decade that Made
Us (2013), documentário em 6 partes produzido pelo National Geographic Channel,
que, como indica o nome, situa o decênio oitentista do século passado como
progenitor de nossa atualidade.
Exageros à parte, não é de todo maluco pensar que a
radicalização contemporânea do individualismo e da extrema segmentação em
nichos tenha dado passos agigantados nos 80’s com a invenção do walkman e do celular ou o início da MTV
e da CNN. Se a caridade hoje pode ser global, via internet, foi em 1985 que o
Live Aid uniu 2 continentes e 2 bilhões de pessoas pra levantar fundos pros
famintos etíopes.
A paternidade do documentário determina que seu foco
seja bastante anglocêntrico, na verdade, ianquecêntrico, mas há sacadas legais
como quando falando sobre globalização, o vazamento de gás em Bopal, Índia,
seja lembrado. Também se estabelece a conexão entre a deterioração do sistema
de ensino público dos EUA, o desgaste do programa espacial e a escolha duma
professora pro explosivo voo do ônibus espacial Challenger, em 86. O que o
documentário não fala é que parte do problema educacional existia porque o
governo neoliberal de Reagan sugava grana da saúde e educação pra injetar na
corrida armamentista (e fazer a combalida rival URSS gastar mais do que podia)
ou auxiliar Wall Street, quando essa aprontava alguma falcatrua. E tem gente
que jura crer no Estado Mínimo.
A década onde até água virou grife e quase ninguém
tinha vergonha de ser ganancioso é apresentada com riqueza em sua produção
cultural, que na pós-modernidade é vital pra sustentar/difundir ideologias.
Então, dá pra perceber melhor que produtos “inofensivos” como os filmes da
série De Volta Para o Futuro caiam com luvas no reacionarismo da era Reagan e
suas porradas contra a libertação prometida nos anos 1960. Ou como o sucesso de
Miami Vice tem a ver com o influxo de cocaína, droga da moda na década.
O Brasil, ocupado com a abertura política e mergulhado
em processos hiperinflacionários, está de fora dessa festa nortista de
afluência e não é citado uma só vez, como de resto toda a América do Sul. Por
dedução, concluímos que são faces da mesma moeda.
De todo modo, The 80’s: the
Decade that Made Us encantará quem viveu aqueles anos e relembrará fatos e
personagens talvez esquecidos, aprenderá sobre coisas que não podemos vivenciar
por aqui e se deleitará com a trilha sonora de Madonna, Michael Jackson,
Depeche Mode, Cindy Lauper, Huey Lewis & The News e tantos mais. E
permitirá às novas gerações compreender um pouco melhor tudo que experiência
hoje.
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