terça-feira, 17 de setembro de 2013

TELINHA QUENTE 90

Roberto Rillo Bíscaro

A influência de August Strindberg no teatro do século XX foi enorme. O realismo psicológico norte-americano, por exemplo, que expunha as entranhas da família na sala de estar é apenas um dos modos como os tentáculos do sueco abraçaram o mundo.
A encarniçada batalha entre os sexos poucas vezes esteve tão brutalmente representada como em O Pai (1887), que descobri em espanhol no You tube, num teleteatro da TVE (1981).
Na Suécia rural, um Capitão científico vive cercado de mulheres religiosas, o que considera opressor. Ansioso por garantir futuro laico à filha, o militar tenciona manda-la estudar na cidade, projeto antagonizado pela esposa Laura, que quer a menina em casa a fim de moldá-la só pro seu prazer. Laura odeia o esposo e utiliza-se dum argumento dado pelo próprio pra desestabilizá-lo emocionalmente: ele comentara que apenas as mulheres têm o luxo da certeza de saber que os rebentos são realmente delas; homens sempre ficarão em dúvida (longe estava a época dos testes de DNA combinados dos programas sensacionalistas de TV). Laura usa esse argumento contra o Capitão, com resultados desastrosos.
No inferno familiar strindbergiano, a misoginia é tanta que sequer se cogitou a possibilidade de a esposa descobrir tal arma. A doideira nasce literalmente da cabeça do Capitão, que mesmo com tanta ciência fornece ao inimigo a chave de sua possível destruição.
O papel-título é interpretado pelo argentino Héctor Altério (sem sotaque portenho) e a gelada Laura de Mayrata O’Wisiedo é arrepiante.

A situação literalmente pega fogo em El Pelicano (1907), que também foi teletreatalizada pela TV Espanhola em 1981.
Strindberg cria outra mãe bruaca, desta vez ironicamente aludindo à lenda que dizia que a pelicana alimentava seus filhotes com seu próprio sangue. A mãe sueca sugou sangue e finanças do recém-falecido marido e impôs criação austera de quase passar fome e frio ao casal de filhos. Como se não bastasse, mantém relação libidinosa demais com o genro.
Resultado típico dum tema que não adere perfeitamente à forma dramática escolhida – Strinddberg, Tchecov e Ibsen são 3 termômetros da crise do drama burguês da virada do século XIX pro XX – a ação d’El Pelicano irrompe numa tacada só, depois de represada por anos. A erupção literal na sala de estar é à que assistimos. Fica um pouco postiço e alguns problemas se dataram nesse século que nos separa da gritaria inicial nos palcos. Mas ainda serve pra mostrar a fonte vulcânica de muito teatro e até de cine e TV psicológicos.

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