Roberto Rillo Bíscaro
Por mais de 4 décadas as telinhas abertas dos EUA foram
dominadas pelas Grandes 3: ABC, CBS e NBC. Em meados dos anos 80, a Fox Network
ambicionava abocanhar fatia maior do gordo bolo e lançou uma série de shows em 1987. Um deles foi a sitcom sem sabor Mr. President,
estrelando George C. Scott (escrevi sobre ela aqui).
Outra foi uma produção inusitada no mundo das sitcoms, que exerceria massiva
influência: Married... With Children. As comédias familiares –na TV desde os
anos 50 com Papai Sabe Tudo e nos 80’s, com o estouro de The Cosby Show, dentre
tantas outras – apresentavam famílias semiperfeitas, onde em cada episódio
todos terminavam rindo, depois de passarem edificante lição de moral. Os telespectadores
certamente sentiam que suas famílias eram um lixo, quando comparadas com a
idealização televisiva.
Um Amor de Família –
irônico título em português – chutou o balde com uma coleção de personagens
escrachadamente repulsivos. A família Bundy é puro white trash: grossa, ignorante, preguiçosa, desonesta. Os episódios
não apenas dispensaram a lição de moral, mas abusavam do politicamente
incorreto e da malandragem a la Tio Sam.
Al Bundy tornou-se ícone dos perdedores. Na
adolescência, sua carreira como jogador de futebol prometia, mas ao engravidar
a namorada Peggy vê-se obrigado a arrumar colocação provisória como vendedor
numa loja de sapatos. Na meia-idade, aquele ainda é seu emprego e a vaidosa e
viciada em compras Peggy ainda é sua esposa, contra a qual dispara comentários derrogatórios
durante 11 temporadas. A recíproca é verdadeira: Peggy detona e sabota Al
sempre que pode, embora procure por sexo o tempo todo, coisa que o marido evita
por sentir asco e não ser mais tão potente.
Soma-se o casal de filhos. Kelly é a loira burra e
gostosa, biscatinha. Bud é o mais inteligente do bando e tão sensato quanto o
universo de Married With Chiildren permite, mas não arruma garotas e
referências a suas práticas masturbatórias e com bonecas infláveis persistem
por toda a série, a qual levei cerca de ano e meio pra ver completa.
As primeiras temporadas não
ameaçaram a hegemonia das Big Three, mas em 89 uma dona de casa puritana com
tempo livre demais nas mãos iniciou solitária campanha exigindo o cancelamento
do humorístico. Ela enviou faxes a
cada patrocinador ameaçando boicotá-los. Essa cruzada teve triplo efeito:
1 – alguns patrocinadores retiraram seu suporte.
2 – a tiazinha destacou-se em diversos veículos
midiáticos com sua campanha anti-imoralidade.
3 – a série, antes sucesso cult, aumentou sua audiência em quase 150%, transformando-se no
maior sucesso da Fox. As marcas desertoras imploraram pra voltar a serem
patrocinadoras, pagando astronomicamente mais.
Má publicidade atrai público.
Married With Children é hilariante! Quase tudo é humor
de banheiro, mas o show quebrou inúmeras
convenções e trouxe influências das histórias em quadrinhos e até de teatro do
absurdo a milhões de telespectadores no mundo todo.
O elenco é impagável e perfeito. O galã Ted McGinley de
Dynasty surpreendeu-me com sua veia cômica, encarnando o marido vagabundo e
gigolô da vizinha Marcie, moça de carinha meiga, que esconde sadismo e
sexualidade insaciável.
O centro da vulgaridade catártica, porém, é Ed O’Neil,
como o fedido, mal vestido e educado Al Bundy. Caretas, gestos, tom e modulação
de voz, tornam-no irretocável. E que prazer prum ator participar de 2 séries
cômicas que mudaram o cenário televisivo. Ed está na também influente ModernFamily, ora em sua 5ª temporada.
Married With Children abriu as portas pro escracho das
famílias e anti-heróis dinsfuncionais dos Simpsons, Family Guy e afins. A
família Bundy é mais ousada, uma vez que utilizou recursos de desenhos animados
em personagens de carne e osso.
Apesar da superfície revolucionária todos esses shows
têm subtexto conservador: apesar de viverem vidas miseráveis em família, essas
pessoas permanecem juntas. Algo como, não há alternativa a não ser o inferno da
família nuclear patriarcal.
Mas, quem resiste quando Al Bundy entra em casa, faz
cara de tédio torturado e começa a contar sobre seu dia horrível na sapataria e
os insultos dirigidos às freguesas obesas, enquanto sua família não lhe dá a
menor bola?
Ed O’Neil É o cara!
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