Roberto Rilo Bíscaro
Certos artistas mudam rumos, engendram tendências,
tornam-se referências. Anton Tchecov pertence a esse seleto clube.
Na virada do século XIX pro XX, ele trouxe sutileza e
subtexto aos palcos. A ação se desacelerou, às vezes parece nem existir. Os
diálogos não raro são falsos: ao invés de permitir comunicação entre as
personagens, representam subjetividades ilhadas, falando sozinhas por longos trechos.
Tchecov é o dramaturgo das ações
irrealizadas/irrealizáveis; da vida no passado ou num futuro que inexistirá,
mas não no presente requerido pra ação dramática; do fluxo cinzento e monótono
da inação da vida diária; do esquecimento, que retarda/dissolve conversas.
Tchecov é o dramaturgo do meu coração. Sem ele não
haveria September (1988), de Woody Allen. Sem ele, August Strindberg e Henrik
Ibsen nem dá pra imaginar o teatro, cinema e televisão!
Vi 2 ótimos teleteatros da TVE espanhola (sem legendas),
adaptando o russo.
A Gaivota é a primeira do quarteto de obras-primas
chekhovianas (as outras: Tio Vania, As 3 Irmãs e O Jardim das Cerejeiras). O
escritor passara anos sem escrever após o fracasso de Ivanof e estava
interessado em mudar as formas existentes, como o personagem-escritor
Konstantin. Tchecov teve mais sorte do que sua criação.
A peça é tão influente que até hoje o símbolo do teatro
moscovita é a ave, morta por Konstantin e usada como cognome pela jovem Nina,
que sonha com fama e carreira nos palcos. Mas, ela encontra Trigorin no
caminho... A Gaivota é constituída por diversos casos de amor não ou
mal-correspondidos e finais não tão felizes pras paixões reciprocadas.
A peça dentro da peça, o
incômodo sentido pelo filho devido ao caso amoroso da mãe; ecos de Hamlet em um
dramaturgo que me agrada mais do que o Bardo.
Tio Vanya é a reescrita duma peça que Tchecov
escrevera um decênio antes, O Demônio da Floresta.
As vidas em Tio Vanya estão enferrujadas, corroídas pela
inexorável passagem do tempo – que vira tema, comum no vindouro Modernismo – e
pela futilidade de ações advindas de escolhas mal feitas.
Ivan (Tio Vânia) e Sônia vivem numa herdade e trabalham
incessantemente pra sustentar a vida urbana do professor aposentado Alexander
Vladmirovich (nomes russos são chiques!). Quando ele visita a propriedade com
sua jovem esposa, máscaras e fichas começam a despencar: intelectualidades são
percebidas como pseudo; trabalhos como fúteis, embora a única maneira de ter alguma
esperança; afetos como falsos.
O branco e preto algo
granulado da antiguidade dos teleteatros espanhóis –década de 1960 – só
colabora com a representação dessas existências cinzentas, mas nem por isso
menos fascinantes.
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