A influente dramaturgia naturalista apoiava-se numa
contradição complicada: por um lado tentava seguir as regras estritas do drama,
com sua aspiração a personagens livres, capazes de ação sem intercessão de
elemento externo ou extra-humano. Por outro, comungava com o naturalismo
literário e as ciências naturais a noção de homem como produto do meio e da
genética.
Talvez o expoente mor dessa corrente teatral tenha sido
o norueguês Henrik Ibsen, que apesar de fases Românticas e flertes com a
tragédia, imortalizou-se com peças de cunho social, que a despeito de
criticadas por certa disjunção entre forma e tema – elemento que as torna fascinantes,
seja dito – escandalizaram; mas influenciaram exército de dramaturgos e
roteiristas ao redor do globo ao longo de décadas.
A visita ao apartamento do dramaturgo em Oslo, em
julho, me deu coceirinha de Ibsen. Pesquisei no You Tube e encontrei 2 teleteatros
espanhois de Casa de Bonecas.
Estreada na Dinamarca, em 1879, a peça já foi chamada
de progenitora do feminismo e ganhou farpas do misógino August Strindberg.
Nora e Turvald são o típico casal pequeno-burugês, que
tem de viver na economia até o marido conseguir promoção no banco. Mas, Nora
não tem tempo de desfrutar da sonhada abundância, porque um funcionário
despedido aparece pra chantageá-la. Turvald adoecera há alguns anos e a
recomendação médica fora uma temporada no cálido sul europeu. A esposa
falsificou a assinatura do pai moribundo pra garantir o empréstimo propiciador
da viagem. Embora o macho fosse o provedor, ele jamais se importou em saber
como conseguiram a grana, a qual Nora devolvia mediante pequenos trabalhos
feitos pelas costas de Turvald.
Tratada como boneca descerebrada pelo marido, Nora
vê-se num dilema: Turvald a perdoaria se soubesse que ela o enganara, e mais,
que fora a fêmea quem obtivera o dinheiro e agora sujava a honra da casa labutando?
Em plena forma na defesa de causas sociais, Ibsen
esmerilha na carpintaria dramática, concentrando toda a ação num curto espaço
de tempo (tragédia grega, oiiiiii!) e caracteristicamente fazendo com que uma
brutal alteração mental aconteça de súbito. Mesmo se questionando essa mudança
de hora pra outra numa situação socialmente engendrada, como resistir quando
Nora bate a porta? Casa de Bonecas é clássico, ponto.
As 2 adaptações estão boas, mas a de 2002 é a que
recomendo “de com força”. Algumas soluções cênicas, como vestir Nora de homem
na festa a fantasia que antecede seu abrir de olhos são achados. Também gostei
de algumas apimentadinhas no diálogo, mostrando que o maridão via a mulher como
objeto sexual; isso sem vulgarizar ou “modernizar” demais o texto.
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