Dossiê Peste Negra
Roberto Rillo Bíscaro
Roberto Rillo Bíscaro
Um dos eventos mais fascinantes da História fez muitos
crerem que a espécie humana chegaria ao fim. Meu fascínio pela Peste Negra não
tem fulcro mórbido, antes, assombra-me uma epidemia ter alterado o curso da
trajetória europeia e, por consequência, nos afetado também, mesmo que tenhamos
entrado no mapa caucasiano mais d’um século após a primeira mortandade.
Penteei o You Tube finamente e achei documentários, que
compartilho e comento. Quase todos em inglês sem legenda; aviso quando não
forem.
Medieval Apocalypse: The Black Death, da BBC, delineia
os efeitos da epidemia cruzando o continente de sul ao noroeste: desde os
portos italianos, onde o vírus provavelmente adentrou a Europa, em 1347, até a
Irlanda. De 1348 a 1351, conforme ceifava metade da população europeia, a misteriosa
doença era percebida como o fim do mundo. Nem dá pra estranhar: em alguns
locais a Peste aniquilou 80% da população em meses.
A brutal queda demográfica
provocou caos, desabastecimento e desorganização. Cidades se viram sem governo,
famílias se desintegraram, a histeria por achar culpados pela “ira divina”
queimou judeus. Passado o pior, uma nova sociedade emergiu. Com melhores
condições de vida pros trabalhadores remanescentes e que valorizava mais o
homem e suas conquistas. O documentário utiliza trechos de relatos de quem
(sobre)viveu à crise pra pincelar essa purulenta passagem do Feudalismo ao
Renascimento.
O próximo foi a parte 3 duma série da PBS (emissora
educativa norte-americana) chamada Secrets of the Dead. A abordagem é a da
investigação genética. Um geneticista norte-americano percebe que algumas
pessoas são imunes ao HIV, apesar da letalidade do vírus, que já matou quase
tanto quanto a Peste Negra.
Uma pequena cidade meio
isolada no norte inglês é o cenário ideal pra testes genéticos tentando
descobrir porque alguns contraíram a peste, mas não morreram e outros sequer se
enfermaram. A descoberta de que uma mutação genética é a responsável por tal
fortaleza – o mesmo no caso do HIV – não deixa de ser afirmativa pra nós
albinos!
O próximo documentário foi o episódio intitulado 1348,
da série History of England, da BBC. O foco é especificamente britânico e cobre
a Peste e os 100 anos subsequentes, sendo contraindicado pros interessados
somente na epidemia. Pode ser até enfadonho pra quem não se interessa por
especificidades de governos X ou Y.
O programa advoga que diversos
sobreviventes herdaram ou anexaram propriedades das montanhas de mortos, então,
a aristocracia rural atuante na dinastia Lancaster era descendente bem próxima
temporal e sanguineamente dos extintos servos medievais, categoria que a
escassez de mão-de-obra pós-Peste Negra obsoletou, posto os campesinos mais
espertos venderem sua força de trabalho pra quem pagava mais, dissolvendo
antigos laços.
The Mystery of the Black Death, do Discovery, narra
como a teoria de que a Peste Negra era a peste bubônica foi por água suja
abaixo. No fim do século retrasado, um suíço comparou a praga que assolava a
Ásia com a Negra e concluiu que esta fora transmitida por pulgas de ratos, que
infestavam as sujas cidades medievais.
A Peste Negra desencadeava pústulas negras, vômitos
sangrentos e dor lancinante e se propagou a jato. Isso levou alguns cientistas
e historiadores do século XX a duvidarem da teoria. Eles creem que o contágio
se deu por pulgas humanas e que o período de incubação da Peste era bastante
longo, proporcionando ampla oportunidade pro infectado contaminar muita gente,
ocasionando o holocausto biológico do século XIV.
O programa não oferece explicação pra causa da praga,
mas termina em tom de alarme, dizendo que o inimigo pode ainda estar à
espreita.
(Durante minha febre de
Peste Negra, o Dr. Drauzio Varella também foi infectado e escreveu sobre em sua
coluna na Folha de São Paulo. Lá você encontra a resolução pro mistério que o
Discovery deixou no ar. Leia aqui.)
The Plague, do History Channel, existe dublado em
português. O programa teoriza que a Peste foi trazida da mongólica Ásia pra
insuspeita Europa, que, depois dum período de relativa paz e crescimento
econômico-populacional entrou num baita inferno astral. A expressão anterior
não é gracejo: alguns eruditos medievais explicavam a Peste como resultante de
vapores malignos (miasmas) despejados na atmosfera pelo singular alinhamento de
Júpiter e sei lá quais planetas.
The Plague centra-se na Itália, França e Inglaterra,
mas dá noção clara de quais regiões do mundo conhecido no séc. XIV foram
afetadas pela Peste. No que hoje conhecemos como Alemanha, surgiram os
Flageladores: no começo, fanáticos que se autopuniam em procissão pra aplacar a
ira apocalítica divina. O documentário detalha sua formação, ascensão e ruína e
o efeito que tiveram – mas não só eles – sobre os pobres judeus, bodes
expiatórios favoritos ao longo da História. A Polônia serviu como refúgio pra
milhares deles. Lá estavam seguros, até 6 séculos mais tarde, um demente
austríaco anexar o país.
The Plague afirma que
avanços tecnológicos como a imprensa e a disseminação dos moinhos tiveram
raízes na necessidade de equacionar a escassez de mão-de-obra.
Pra tornar a narrativa da História mais atraente, os
documentários coincidem no tom de suspense, horror, romance, drama. Secrets of
the Great Plague assume a forma de história de detetive, denominação, aliás,
que o biólogo Steve O’Brien recebe. O programa tem quase o mesmo nome de
Secrets of the Dead, o tema é similar e chega à conclusão semelhante,
obviamente.
O programa assume a teoria da peste bubônica
transmitida por pulgas de ratos. Críticos dessa explicação alegam que não há relatos
de mortes massivas de roedores em nenhum momento em que a Peste Negra tenha
atacado.
Secrets of the Great Plague
esmiúça a eclosão da peste inglesa do século XVI, que ceifou um terço da
população londrina. Ao fim do documentário, você desejará ter a mutação
genética Delta 32!
Inadvertidamente, vi por ultimo os programas de que
mais gostei. 2 documentários do History Channnel, The Plague in Europe,
juntados num vídeo dublado em espanhol.
A primeira dedica boa parte do tempo provando porque a
doença não era peste bubônica. Além das informações apresentadas em outros
documentários, aprendemos que a Europa viva mini Era do Gelo, tornando a
sobrevivência dos ratos ainda mais discutível. Não se desvenda o que foi a
Peste, mas aprendemos quais foram as primeiras contestações da clássica teoria
dos roedores e pulgas transmissoras. Outro ponto positivo pro History Channel é
apresentar dados de países como Dinamarca e Finlândia, não focando apenas nas
manjadas Itália, França e Inglaterra.
A segunda parte traz especulações fascinantes sobre os
efeitos e interpretações da Peste em suas vindas a distintos lugares europeus.
Em especial, como os pobres e suas diversões (teatro, por exemplo) e práticas
foram culpabilizadas e perseguidas pelas autoridades sanitárias como
propagadores principais da doença. Por outro lado, as mesmas autoridades
sanitárias tomaram medidas eficientes e modernas pra tentar barrar o contágio,
contradizendo em ações o teorizado pela ciência que achava que o ar era o
transmissor. As autoridades impuseram quarentenas, porque se deram conta de que
o período de incubação era de aproximadamente tal período. Isso não acabava com
o mal, mas tinha efeito profilático.
São quase 2 horas de
informações e conexões entre a Peste e fatos posteriores, sempre tomando
cuidado pra não estabelecer relações de causa e efeito diretas, tipo a lenda de
Robin Hood é consequência da Peste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário