O jornal inglês The Telegraph publicou longa matéria sobre experiências de 3 mulheres com albinismo. Traduzi para que as informações possam ser mais difundidas e aproveitadas.
Porque Albinos são Incompreendidos: 3 mulheres
Soltam o Verbo
Como
é nascer com albinismo? Clover Stroud falou com 3 mulheres a respeito da condição,
que pode ser fisicamente debilitante, psicologicamente traumática, mas também
ferozmente empoderadora.
Clover Stroud
(Tradução: Roberto Rillo Bíscaro)
Bianca Knowlton-Johnson descreve-se
como extremamente loira. Seu cabelo é branco e sua pele é branca como leite.
Ela perdeu a conta do número de vezes que atraiu olhares hostis ou foi chamada
de apelidos como “fantasma” ou “leite”, para citar apenas os mais “simpáticos”.
Ela é uma das cerca de 3.000 pessoas com albinismo do Reino Unido.
O albinismo é causado por um gene
recessivo, que tem que ser carregado por ambos os progenitores para ser
transmitido à criança. Se os pais portam o gene, há uma chance em 4 em cada
gravidez de que o bebê terá albinismo e então não produzirá quantidades normais
de melanina.
Existem vários tipos de albinismo,
sendo que o mais comum é o albinismo óculo-cutâneo (OCA), que afeta a cor dos
olhos, da pele e do cabelo. O albinismo ocular é menos radical, porque afeta
principalmente os olhos, mas nem sempre a pigmentação da pele e do cabelo. Astigmatismo
e nistagmo – quando os olhos não ficam parados – são comuns também.
Cegueira e outros problemas visuais, assim
como propensão a se queimar com a luz solar, são desafios físicos, mas as
pessoas com albinismo (PCAs) também enfrentam os desafios psicológicos de terem
aparência diferente. Graças a Hollywood, que se compraz com o mito de que as
PCAs são esquisitos mágicos – pense em The Matrix Reloaded, Código da Vinci e
mesmo em Javier Bardem, em Skyfall -, é sua distinção visual que pode compor os
desafios práticos de ser uma PCA.
Knowlton Johnson é legalmente cega e
usa um aparelho de mão que projeta palavras em uma tela. Luzes forte a
incomodam, por isso, trabalha em um computador com fundo negro e letras brancas
e gosta de meia-luz. “Mas, é uma excelente desculpa para comprar uma TV
gigante”, graceja. “Meu pai morre de inveja”.
O albinismo não a segurou. Ela
conseguiu altas notas em desenho gráfico e arte, apesar dos desafios que
representam para deficientes visuais. Era ginasta até machucar o joelho e viaja
bastante, tendo passado diversos meses na Austrália. “Bloqueador solaar ajuda
muito. Por que eu perderia férias tão boas?”
Sua aparência não-convencional nunca
atrapalhou para arrumar namorado. “Meu pai gostaria que tivesse”, ri. Ela
celebrará seu quarto aniversário de casamento em abril. Filhos sao uma
posssibilidade, mas não até que seu lado profissional esteja mais
estabilizado.
“Sou prova viva de que você pode
nascer com albinismo total e ainda assim levar vida normal”, gaba-se. O
albinismo de Knowlton Johnson pode, de fato, ser a coisa menos relevante sobre ela.
Entretanto, seu nascimento 30 anos atrás, foi um choque para os pais, Mike
e Carin. “Naquele tempo, as pessoas não sabiam o que era albinismo. Um médico
escavou seus arquivos e colocou meus pais em contato com uma PCA nascida 20
anos antes”, conta Knowlton Johnson, cujos pais haviam escolhido chamar Bianca
(branca), antes de nascer.
A determinação de seus pais para que a menina levasse vida normal fez com que ela nunca se visse
como diferente de seus irmãos. “Papai diz que me levava como se fosse uma corda
de bungee jump, isto é, ele podia me soltar, mas tinha como me trazer de volta.
Resultou que, quando adulta, eu não me tornasse dependente deles.” Aprender a
se deslocar pelo mundo a despeito do impedimento visual é o primeiro desafio
das PCAs. Quando sugeriram que Bianca frequentasse uma escola especial, os pais
de Knowlton Johnson lutaram para que ela
estudasse em escola regular, onde uma monitora lhe foi designada. O bullying
começou no secundário. Os professores davam-lhe apoio, mas alguns alunos eram
menos generosos. Sua bolsa foi jogada em uma poça d’água, ela era empurrada e
seu cabelo puxado.
“Lidar com o albinismo foi realmente difícil, mas eu não era a única a
enfrentar o bullying. Todo adolescente é ansioso acerca de sua aparência. ‘Ele
gosta de mim? Sou bonita? O meu cabelo é legal’? Eu não era diferente.”
A adolescência foi a “hora da virada”. “Teria sido fácil ser pisada, por
isso, eu sabia que teria que aceitar todas as consequências de ser albina.
Aceitei o fato de ser quem sou; se não gosta de mim, caia fora.” Knowlton
Johnson e sua família são totalmente positivos a respeito de sua condição.
“Tivemos toda a ajuda disponível, mas queríamos que ela se virasse
sozinha”, explica o pai. “Albinismo não é uma sentença de morte”. Ele crê que a
tenacidade e a ausência de autopiedade da filha são traços que muitas PCAs
compartilham.
Ela é pouco comum, contudo, por usar o termo “albino”. ”Não usá-lo,
reforça o ponto de ser diferente. Mas, não me vejo desse modo. Não tenho
problemas em dizer ‘sou albina’. Com raras exceções o termo não tem sido
dirigido a mim de forma depreciativa, embora saiba que outros tiveram
experiências distintas.”
Rosaleen Dempsey, 33, tem a mesma determinação de Bianca, mas prefere
evitar o termo: “não gosto do modo como geralmente precede um insulto”. Dempsey
é de Belfast, onde é gerente da divisão
da infância e juventude do Royal National Institute of
Blind People (RNIB), da Irlanda do Norte.
Também é membro da Albinism Fellowship, fundada em 1979, para divulgar o
albinismo. Com 500 associados, a associação promove conferências e eventos
sociais. Informações sobre albinismo são geralmente difíceis de se encontrar,
então, a organização é muito importante para as famílias de bebês recentemente
diagnosticados.
A associação também trabalha para dirimir o estigma que cerca a
condição. “A mídia está saturada de estereótipos negativos e incorretos,
perpetuando a ideia de que o albinismo é esquisito. Isso é particularmente
verdadeiro em Hollywood,” reclama Robin Spinks, presidente da Albinism
Fellowship, que frequentemente recebe pedidos de agências de modelos e
produtoras, os quais em sua maioria são recusados. “Não adiantam nada, pois
perpetuam a ideia de que há algo de ‘estranho ‘ sobre a condição. E isso é
especialmente duro para as crianças.”
Em partes da África, especialmente na região sub-saariana, ser albino é
uma ameaça à vida, porque feiticeiros visam seus corpos. Surpreende pouco, por
isso, que exista resistência com relação à palavra ‘albino’, ainda que a premiada
ciclista Aileen McGlynn e os irmãos David e Adam Knott – particpantes
britânicos das Paraolimpíadas de Londres – estejam ajudando a contra-atacar
isso.
“Um de meus sonhos é ver uma PCA em um papel comum na TV, em que a cor
de seu cabelo ou pele não seja visto como algo excepcional”, admite Spinks. Em
2008, Darnell Swallow, uma PCA, participou do Big Brother, mas Spinks não acha
que tenha ajudado muito. “Ainda estava implícita a ideia de que o albinismo é
estranho. Viver com albinismo significa superar impedimentos visuais, uma
propensão para se queimar e lidar com ser diferente. Fora isso, porém, PCAs são
absolutamente normais em tudo o mais.”
A determinação de levar vida normal motivou Dempsey em sua fase escolar.
“Eu tinha uma professora-monitora na escola, coisa muito difícil para uma
adolescente, porque a última coisa que queremos é um adulto em cima. Lidei com
isso, estudando bastante a fim de ganhar sua confiança e depender menos de sua
ajuda. Aos 14 anos, fui praticar esqui e isso foi muito bom para minha
autoconfiança. Também me juntei a um coral; a música sempre foi muito
importante em minha vida.”
Ela doutorou-se na universidade de Cork e mesmo tendo amado o desafio de
uma nova cidade, não escapou ao bullying. “Comecei a vê-lo sob a perspectiva de
que se refere à ignorância das pessoas e não como algo negativo sobre mim. Mas,
essa é a razão pela qual não aprecio a palavra 'albino’. Você tem que criar uma
couraça grossa e por isso aa associação é tão importante. Quando os encontros
acontecem, é enternecedor ver criancinhas reconhecendo outras com a mesma
condição.”
Quando Gemma Sherry era criança, crescendo com albinismo em Edimburgo,
seus pais eram membros da Albinism Felllowship. Ela só se tornaria membro ativo
depois de adulta. “Tive sorte de ter pais que me apoiaram e faziam-me sentir
que podia fazer tudo o que quisesse”, diz Sherry, 28, que trabalha como
supervisora e gerente no hotel Hilton, em Edimburgo.
Ela tem vida social ativa e gosta de praticar rapel e de escalar rochas,
então sua adolescência foi movimentada. “Quando tinha 20 anos, decidi
participar de um encontro de famílias organizado pela Albinism Felllowship. Foi
emocionante e senti que aquela era realmente minha turma. Fiz amizades que
duram até hoje e saí de lá me sentindo muito pra cima.”
O albinismo não impediu Sherry de fazer nada do que tivesse vontade. “Amo meu trabalho e viajar. Adoro ir à praia, porque gosto muito
de nadar. Sair da águam é meio difícil, porque quando volto para a praia demora
um bocadinho para eu me reorientar, devido à visão; mas, não é o fim do mundo.
Às vezes, ouço piadinhas, mas de modo geral as pessoas se interessam
positivamente em saber porque meu cabelo é tão claro. Talvez seja mais fácil
para as mulheres com albinismo, pois ter cabelo claro é valorizado.”
Knowlton Johnson participou de um filme sobre beleza natural e Dempsey
adora se maquiar e se sentir bonita, como qualquer pessoa. “Prefiro maquiagem
com base rosada e tinjo minhas pestanas e sobrancelhas desde que eu tinha 16. Meu
rosto fica mais definido.”
Avanços tecnológicos tornam mais fáceis conviver com os desafios
práticos impostos pelo albinismo. Robin Spinks é o principal diretor de
acessibilidade digital da RNIB, maximizando o modo como produtos como smartphones podem tornar vidas mais
fáceis. “A tecnologia transformou minha vida. Uso aplicativos para superar
barreiras, a câmera como lente de aumento ou acesso informações sobre chegadas
e partidas, quando viajo,” ele conta.
Ele já trabalhou no Caribe, América, África e Ásia, para uma ONG,
colaborando com organizações que ajudam pessoas com deficiência. “Tecnologia
faz toda a diferença, reduzindo a ansiedade nas viagens e possibilitando vida
independente. Não posso mudar o fato de que minha aparência é diferente, mas as
ferramentas que auxiliam a viver tornam esse desafio menos difícil.”
Como Sherry, Dempsey e Knowlton Johnson, Spinks aceitou quem é,
encarando sua condição como parte integral do que ele é. “Aos 39, não há mais
momentos quando desejo ser diferente.
Sempre pensei em como seria se não tivesse albinismo, mas agora não me imagino
vivendo sem. Ele me fez ser aberto e curioso e me ensinou a viver a vida
compreendendo as diferenças. Você pode se esconder ou aprender a celebrar sua
diferença e usá-la para aprender mais sobre a vida.”
Knowlton Johnson diz que gostaria de corrigir sua visão, mas não mudaria
mais nada. “Não vejo o albinismo como deficiência. Fico feliz em ser uma
loirona para sempre” A maior frustração não é ser diferente ou a ignorância das
pessoas, mas, não poder dirigir. “O albinismo não afetou minha vida social ou
afugentou namorados, e tenho um emprego do qual gosto. Penso que muitos de nós
somos realmente determinados a sermos realmente independentes e provar que
podemos fazer coisas como qualquer pessoa,” diz Sherry. “A única coisa que não
faço é dirigir e isso me irrita. Usar transporte público está bem, mas eu
gostaria de participar de um rally. Se não tivesse cabelo e pele claros eu
seria estranha, já fazem parte de mim.”
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