sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

ALBINAS QUE VÃO Á LUTA

O jornal inglês The Telegraph publicou longa matéria sobre experiências de 3 mulheres com albinismo. Traduzi para que as informações possam ser mais difundidas e aproveitadas. 
Three albino women speak out about their lives and their condition

Porque Albinos são Incompreendidos: 3 mulheres Soltam o Verbo

Como é nascer com albinismo? Clover Stroud falou com 3 mulheres a respeito da condição, que pode ser fisicamente debilitante, psicologicamente traumática, mas também ferozmente empoderadora.

Clover Stroud
(Tradução: Roberto Rillo Bíscaro)

Bianca Knowlton-Johnson descreve-se como extremamente loira. Seu cabelo é branco e sua pele é branca como leite. Ela perdeu a conta do número de vezes que atraiu olhares hostis ou foi chamada de apelidos como “fantasma” ou “leite”, para citar apenas os mais “simpáticos”. Ela é uma das cerca de 3.000 pessoas com albinismo do Reino Unido.
O albinismo é causado por um gene recessivo, que tem que ser carregado por ambos os progenitores para ser transmitido à criança. Se os pais portam o gene, há uma chance em 4 em cada gravidez de que o bebê terá albinismo e então não produzirá quantidades normais de melanina.
Existem vários tipos de albinismo, sendo que o mais comum é o albinismo óculo-cutâneo (OCA), que afeta a cor dos olhos, da pele e do cabelo. O albinismo ocular é menos radical, porque afeta principalmente os olhos, mas nem sempre a pigmentação da pele e do cabelo. Astigmatismo e nistagmo – quando os olhos não ficam parados – são comuns também.    
Cegueira e outros problemas visuais, assim como propensão a se queimar com a luz solar, são desafios físicos, mas as pessoas com albinismo (PCAs) também enfrentam os desafios psicológicos de terem aparência diferente. Graças a Hollywood, que se compraz com o mito de que as PCAs são esquisitos mágicos – pense em The Matrix Reloaded, Código da Vinci e mesmo em Javier Bardem, em Skyfall -, é sua distinção visual que pode compor os desafios práticos de ser uma PCA.
Knowlton Johnson é legalmente cega e usa um aparelho de mão que projeta palavras em uma tela. Luzes forte a incomodam, por isso, trabalha em um computador com fundo negro e letras brancas e gosta de meia-luz. “Mas, é uma excelente desculpa para comprar uma TV gigante”, graceja. “Meu pai morre de inveja”.  
O albinismo não a segurou. Ela conseguiu altas notas em desenho gráfico e arte, apesar dos desafios que representam para deficientes visuais. Era ginasta até machucar o joelho e viaja bastante, tendo passado diversos meses na Austrália. “Bloqueador solaar ajuda muito. Por que eu perderia férias tão boas?”
Sua aparência não-convencional nunca atrapalhou para arrumar namorado. “Meu pai gostaria que tivesse”, ri. Ela celebrará seu quarto aniversário de casamento em abril. Filhos sao uma posssibilidade, mas não até que seu lado profissional esteja mais estabilizado. 
“Sou prova viva de que você pode nascer com albinismo total e ainda assim levar vida normal”, gaba-se. O albinismo de Knowlton Johnson pode, de fato, ser a coisa menos relevante sobre ela.  
Entretanto, seu nascimento 30 anos atrás, foi um choque para os pais, Mike e Carin. “Naquele tempo, as pessoas não sabiam o que era albinismo. Um médico escavou seus arquivos e colocou meus pais em contato com uma PCA nascida 20 anos antes”, conta Knowlton Johnson, cujos pais haviam escolhido chamar Bianca (branca), antes de nascer.  
A determinação de seus pais para que a menina levasse  vida normal fez com que ela nunca se visse como diferente de seus irmãos. “Papai diz que me levava como se fosse uma corda de bungee jump, isto é, ele podia me soltar, mas tinha como me trazer de volta. Resultou que, quando adulta, eu não me tornasse dependente deles.” Aprender a se deslocar pelo mundo a despeito do impedimento visual é o primeiro desafio das PCAs. Quando sugeriram que Bianca frequentasse uma escola especial, os pais de  Knowlton Johnson lutaram para que ela estudasse em escola regular, onde uma monitora lhe foi designada. O bullying começou no secundário. Os professores davam-lhe apoio, mas alguns alunos eram menos generosos. Sua bolsa foi jogada em uma poça d’água, ela era empurrada e seu cabelo puxado. 
“Lidar com o albinismo foi realmente difícil, mas eu não era a única a enfrentar o bullying. Todo adolescente é ansioso acerca de sua aparência. ‘Ele gosta de mim? Sou bonita? O meu cabelo é legal’? Eu não era diferente.”
A adolescência foi a “hora da virada”. “Teria sido fácil ser pisada, por isso, eu sabia que teria que aceitar todas as consequências de ser albina. Aceitei o fato de ser quem sou; se não gosta de mim, caia fora.” Knowlton Johnson e sua família são totalmente positivos a respeito de sua condição.
“Tivemos toda a ajuda disponível, mas queríamos que ela se virasse sozinha”, explica o pai. “Albinismo não é uma sentença de morte”. Ele crê que a tenacidade e a ausência de autopiedade da filha são traços que muitas PCAs compartilham.
Ela é pouco comum, contudo, por usar o termo “albino”. ”Não usá-lo, reforça o ponto de ser diferente. Mas, não me vejo desse modo. Não tenho problemas em dizer ‘sou albina’. Com raras exceções o termo não tem sido dirigido a mim de forma depreciativa, embora saiba que outros tiveram experiências distintas.”
Rosaleen Dempsey, 33, tem a mesma determinação de Bianca, mas prefere evitar o termo: “não gosto do modo como geralmente precede um insulto”. Dempsey é de  Belfast, onde é gerente da divisão da infância e juventude do Royal National Institute of Blind People (RNIB), da Irlanda do Norte.
Também é membro da Albinism Fellowship, fundada em 1979, para divulgar o albinismo. Com 500 associados, a associação promove conferências e eventos sociais. Informações sobre albinismo são geralmente difíceis de se encontrar, então, a organização é muito importante para as famílias de bebês recentemente diagnosticados.
A associação também trabalha para dirimir o estigma que cerca a condição. “A mídia está saturada de estereótipos negativos e incorretos, perpetuando a ideia de que o albinismo é esquisito. Isso é particularmente verdadeiro em Hollywood,” reclama Robin Spinks, presidente da Albinism Fellowship, que frequentemente recebe pedidos de agências de modelos e produtoras, os quais em sua maioria são recusados. “Não adiantam nada, pois perpetuam a ideia de que há algo de ‘estranho ‘ sobre a condição. E isso é especialmente duro para as crianças.”
Em partes da África, especialmente na região sub-saariana, ser albino é uma ameaça à vida, porque feiticeiros visam seus corpos. Surpreende pouco, por isso, que exista resistência com relação à palavra ‘albino’, ainda que a premiada ciclista Aileen McGlynn e os irmãos David e Adam Knott – particpantes britânicos das Paraolimpíadas de Londres – estejam ajudando a contra-atacar isso.   
“Um de meus sonhos é ver uma PCA em um papel comum na TV, em que a cor de seu cabelo ou pele não seja visto como algo excepcional”, admite Spinks. Em 2008, Darnell Swallow, uma PCA, participou do Big Brother, mas Spinks não acha que tenha ajudado muito. “Ainda estava implícita a ideia de que o albinismo é estranho. Viver com albinismo significa superar impedimentos visuais, uma propensão para se queimar e lidar com ser diferente. Fora isso, porém, PCAs são absolutamente normais em tudo o mais.”
A determinação de levar vida normal motivou Dempsey em sua fase escolar. “Eu tinha uma professora-monitora na escola, coisa muito difícil para uma adolescente, porque a última coisa que queremos é um adulto em cima. Lidei com isso, estudando bastante a fim de ganhar sua confiança e depender menos de sua ajuda. Aos 14 anos, fui praticar esqui e isso foi muito bom para minha autoconfiança. Também me juntei a um coral; a música sempre foi muito importante em minha vida.”
Ela doutorou-se na universidade de Cork e mesmo tendo amado o desafio de uma nova cidade, não escapou ao bullying. “Comecei a vê-lo sob a perspectiva de que se refere à ignorância das pessoas e não como algo negativo sobre mim. Mas, essa é a razão pela qual não aprecio a palavra 'albino’. Você tem que criar uma couraça grossa e por isso aa associação é tão importante. Quando os encontros acontecem, é enternecedor ver criancinhas reconhecendo outras com a mesma condição.”
Quando Gemma Sherry era criança, crescendo com albinismo em Edimburgo, seus pais eram membros da Albinism Felllowship. Ela só se tornaria membro ativo depois de adulta. “Tive sorte de ter pais que me apoiaram e faziam-me sentir que podia fazer tudo o que quisesse”, diz Sherry, 28, que trabalha como supervisora e gerente no hotel Hilton, em Edimburgo.
Ela tem vida social ativa e gosta de praticar rapel e de escalar rochas, então sua adolescência foi movimentada. “Quando tinha 20 anos, decidi participar de um encontro de famílias organizado pela Albinism Felllowship. Foi emocionante e senti que aquela era realmente minha turma. Fiz amizades que duram até hoje e saí de lá me sentindo muito pra cima.”
O albinismo não impediu Sherry de fazer nada do que tivesse vontade. “Amo meu trabalho e viajar. Adoro ir à praia, porque gosto muito de nadar. Sair da águam é meio difícil, porque quando volto para a praia demora um bocadinho para eu me reorientar, devido à visão; mas, não é o fim do mundo. Às vezes, ouço piadinhas, mas de modo geral as pessoas se interessam positivamente em saber porque meu cabelo é tão claro. Talvez seja mais fácil para as mulheres com albinismo, pois ter cabelo claro é valorizado.”
Knowlton Johnson participou de um filme sobre beleza natural e Dempsey adora se maquiar e se sentir bonita, como qualquer pessoa. “Prefiro maquiagem com base rosada e tinjo minhas pestanas e sobrancelhas desde que eu tinha 16. Meu rosto fica mais definido.”
Avanços tecnológicos tornam mais fáceis conviver com os desafios práticos impostos pelo albinismo. Robin Spinks é o principal diretor de acessibilidade digital da RNIB, maximizando o modo como produtos como smartphones podem tornar vidas mais fáceis. “A tecnologia transformou minha vida. Uso aplicativos para superar barreiras, a câmera como lente de aumento ou acesso informações sobre chegadas e partidas, quando viajo,” ele conta.
Ele já trabalhou no Caribe, América, África e Ásia, para uma ONG, colaborando com organizações que ajudam pessoas com deficiência. “Tecnologia faz toda a diferença, reduzindo a ansiedade nas viagens e possibilitando vida independente. Não posso mudar o fato de que minha aparência é diferente, mas as ferramentas que auxiliam a viver tornam esse desafio menos difícil.”
Como Sherry, Dempsey e Knowlton Johnson, Spinks aceitou quem é, encarando sua condição como parte integral do que ele é. “Aos 39, não há mais momentos  quando desejo ser diferente. Sempre pensei em como seria se não tivesse albinismo, mas agora não me imagino vivendo sem. Ele me fez ser aberto e curioso e me ensinou a viver a vida compreendendo as diferenças. Você pode se esconder ou aprender a celebrar sua diferença e usá-la para aprender mais sobre a vida.”
Knowlton Johnson diz que gostaria de corrigir sua visão, mas não mudaria mais nada. “Não vejo o albinismo como deficiência. Fico feliz em ser uma loirona para sempre” A maior frustração não é ser diferente ou a ignorância das pessoas, mas, não poder dirigir. “O albinismo não afetou minha vida social ou afugentou namorados, e tenho um emprego do qual gosto. Penso que muitos de nós somos realmente determinados a sermos realmente independentes e provar que podemos fazer coisas como qualquer pessoa,” diz Sherry. “A única coisa que não faço é dirigir e isso me irrita. Usar transporte público está bem, mas eu gostaria de participar de um rally. Se não tivesse cabelo e pele claros eu seria estranha, já fazem parte de mim.”

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