Roberto Riolo Bíscaro
O punk nasceu em Nova York, mas foi o cenário britânico que se tornou referência mundial
pelos adereços como alfinetes e cabelos moicanos, além da cusparada febril e
feroz de bandas como os Sex Pistols, The Clash, The Damned e tantas outras.
Qualquer fã que se preze dos grupos britânicos dos anos 80 deveria conhecer um
pouco da história da punk music,
afinal, de Smiths a Bananarama, de U2 a Culture Club, todos foram influenciados
pelo levante de 1977.
Mesmo conhecendo algo sobre o assunto, assisti às 3
partes do documentário Punk Britannia (2012), encontráveis no You Tube, sem
legendas. Queria aprender mais, especialmente com a parcela primeira, que
cartografa os anos pré-punk, de 72 a 76.
O cenário é velho conhecido: Inglaterra enfrentando década
dura, repleta de greves e apagões, constatando finalmente que sua fase imperial
era história. juventude desempregada, entediada, com sistema educacional
arcaico. A geração roqueira de fins dos anos 60, que prometera revolucionar, frequentava
festas do grand monde e se pavoneava em
megaestádios e/ou produzia álbuns requintados, onde a diversão e simplicidade do
rock and roll passavam longe.
Nos pubs
londrinos surgia uma reação. Bandas voltavam-se pro blues, bluegrasss e os primórdios do rock dos anos 50 e início dos
60. Essa cena barulhenta e visceral ganhou o nome de pub rock. Semeava-se a
semente da rusticidade e rouquidão de uns 4 anos adiante.
Uma geração ainda mais jovem adicionou a rebeldia
gutural e travestida dos ianques New York Dolls, da provocação glam de Marc Bolan e mesmo do camaleão
David Bowie - que pra muitos não deixava de representar o estatuto do
superastro distante de sua plateia – e começou a fazer sua própria moda e música,
independentemente de perícia. A cultura do “Faça Você Mesmo” (Do It Yourself,
D.I.Y) nascia e explodiria.
Esses movimentos juvenis
necessitam dum catalizador, o qual estava à mão, na figura de Malcolm McLaren,
que com sua loja Sex, queria chocar, ser notado, causar. Esperto, o empresário
percebeu de imediato o potencial avassalador dos desafinados e maus músicos dos
Sex Pistols, especialmente a figura carismática e o olhar de ódio do vocalista
John Lydon aka Johnny Rotten. A
glória de ter lançado o primeiro compacto punk coube ao The Damned, mas quando
os Pistols entraram nos estúdios da EMI (movimento rebelde, gravando álbum de
estreia em grande corporação? Prato cheio pra discussões e acusações que
cortariam décadas...), em 1976, pra gravar Never Mind The Bollocks,
deflagrariam uma sublevação musical que varreria os 5 continentes.
A segunda parte do documentário da BBC é a mais
refinada analiticamente. Descreve os anos de 77-8, epicentro do “movimento”
punk, compreendendo o lançamento do álbum dos Pistols e a dissolução da banda,
cansada da manipulação classe-média de Malcolm McLaren. Aí estava uma das
várias contradições da rebelião: The Clash, Sex Pistols, The Damned não tinham
ligação estreita com a classe trabalhadora, e isso faz diferença danada na
classista Inglaterra, vide a rivalidade Oasis/Blur, 2 décadas depois.
O surgimento de bandas falando diretamente sobre e pra
garotada dos impessoais conjuntos habitacionais foi ato contínuo, indo desde
gente politicamente do bem como Paul Weller, líder do The Jam até a fascista
ligação de boa parcela moicana com movimentos de extrema direita, racistas e
homofóbicos.
Não se pode falar dum movimento punk. Centrado numa
atitude que apadrinhava e incentivava o individualismo, os punks espalhavam-se
em grupos violentamente rivais. O documentário não fala, mas é bom lembrar que
a tão apregoada “revolução” punk/pós-punk nem chegou a fazer cócegas de perigo
à eleição da neoliberal Margareth Thatcher.
Isso não significa que os Pistols e a invasão das
roupas, penteados e adereços extravagantes nas ruas londrinas não tenham
causado comoção. Quando Johnny Rotten disparou um “fuck” num programa de
entrevistas, o incêndio punk espalhou-se pelo Reino Unido e a imprensa caiu de
pau. Como qualquer publicidade parece ser boa, a atitude dos Pistols realmente
motivou uma avalanche de novos artistas, agora livres da necessidade de serem
exímios instrumentistas.
Quando Johnny Rotten se deu
conta de tantas encruzilhadas, encheu o saco e disse adeus aos Sex Pistols no
palco. O tórrido verão de 77 – interessante pensar que o estouro da acid house na década seguinte também se
deu num verão escaldante – passou e com ele o frescor do punk também. O The
Clash assinou com gravadora gigante, o Jam começava a singrar por mares mod e gente como Siouxsie Sioux e Jim
Kerr sofisticava sua sonoridade. Aí reside a importância do estilhaçamento punk.
Essa eclosão de forças criativas criaria cenário cultural mais caleidoscópico,
atitudinalmente individualista, onde nichos se formariam e sub-gêneros eram
criados a cada hora.
A Terceira parte foi a de que mais gostei, porque
mapeou a abertura do gargalo punk pra entrada de influências milhares, como
reggae, ska, electronica (leia aqui como o synth pop é filhote inesperado do
punk), pop e o escambau. Falando sobre o pós-punk, o programa narra o
nascedouro de minha amada década de 1980.
Egresso dos Pistols, Johnny Rotten voltou a ser John
Lydon e formou o P.I.L (Public Image Limited), que lançou álbuns fundamentais,
incorporou ritmos e tonalidades, deu diversos lugares-ccomuns sônicos aos anos
80 e nunca perdeu seu caráter de confronto.
A lúgubre e decaída Manchester presenteou o planeta com
um mártir pós-punk, o suicida Ian Curtis, da Joy Division, que também
influenciaria gerações. O programa não esquece bandas como a lírica Durutti
Column e o anárquico The Fall.
Anarquismo, tendências marxistas e uma profunda
desconfiança e falta de vontade de se tornar estrelas pop endinheiradas marcaram
uma geração de bandas influentes como Gang of Four, Orange Juice e Wire. Quando
topavam se apresentar no Top of the Pops, por exemplo, partiam do princípio de
que necessitavam marcar espaço, propagar sua ideologia.
Em meio ao modismo punk, bandas até legais como o The
Police e grandes artistas como Elvis Costelo foram vendidos como pós-punk ou
sua versão mais palatável e universitária, a New Wave. Mas, eles eram outra
coisa. Não os desprezo como alguns artistas no documentário – pelo contrário -,
mas justiça seja feita. O lance do Sting era fazer dinheiro e se tornar pop star.
Imperdoável a omissão do
The Cure; não entendo porque fazem isso com Robert Smith. O cara é um ególatra
ditador, mas os primeiros discos da banda são muito importantes!
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