segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

CAIXA DE MÚSICA 112


Pra leigos, qualquer dance pós-anos 80 parece ser techno ; tem batida eletrônica, pronto, techno! Não é assim, há trocentas divisões, algumas polêmicas até pra iniciados, quem dirá pra nós diletantes. Pra conhecer melhor um desses estilos, a house music, cuja vertente acid estourou no fim dos anos 80 numa Inglaterra em preparação pra chutar o traseiro da Dama de Ferro, vi as 3 partes de Pump Up the Volume (2001), que achei num arquivo só, legendado em português.  
A parte 1 vai de 77 a 85. A house music nasceu da disco music. Subterrâneo em seu nascedouro e desenvolvimento, a disco foi obra basicamente de negros, gays, latinos. Quando o mainstream heteronormativo caucasiano tomou o controle do gênero com os Travoltas, Bee Gees e Hooked On Classics (argh, Beethoven em versão disco!) o movimento tornou-se global, mas seu declínio foi tão instantâneo quanto sua ascensão. Por mais que eu concorde que o ódio dos grupos antidisco tinha ranço homofóbico e racista, não dá pra desconsiderar que a moda encheu; até versão disco de musical da Broadway apareceu, minha santa Donna Summer!
Fora dos holofotes da mídia, que na aurora dos 80’s paparicava a New Wave, o escurinho das casas de dançar continuava pulsando e atraindo público alternativo, sempre GLS, décadas antes de a expressão ser cunhada.
A house music – o punk da dance eletrônica – nasceu na geograficamente insular Chicago, que, segundo um amigo nova-iorquino que ama a Cidade do Vento, é “New York without the attitude”. Lá, DJs começaram a se tornar famosos como estrelas pop, atraindo multidões aos clubes onde discotecavam, misturando ritmos, fazendo estripulias com grooves e riffs, misturando, repetindo, sobrepondo e apresentado toneladas de coisas novas à garotada dançante.


Não demorou pra DJs começarem a produzir suas próprias faixas, como Jesse Saunders, que em 1984, lançou On and On, o primeiro house. O nome do estilo vem da danceteria Warehouse. O clube tocava as canções e a moçada ia às seletas lojas de discos que vendiam as pouco conhecidas faixas tocada lá, pedindo “aquela música que toca na Warehouse”. Com o tempo, passaram a falar apenas house e estava batizado o estilo de música eletrônica pra dançar com vocais esparsos, longa duração e bastante repetitiva – não dá pra desconsiderar a combinação com os alucinógenos nas pistas.
A acessibilidade da tecnologia cada vez mais barata e o amor pela música fizeram com que um bando de não-músicos começasse a fazer colagens e bolinar grooves. Numa dessas fuçadas com uma linha de baixo nasceu a acid house. Naquela altura, diversas grandes cidades norte-americanas já tinham sua cena house e mais aquele produto musical ianque estava prestes a ser exportado pra Europa, onde conquistaria milhões e sairia do subterrâneo no verão do amor inglês.
Já resenhei documentário sobre o tórrido Summer of Love da acid house inglesa, em 1988, o qual recomendo leitura, aqui. A segunda parte de Pump Up the Volume – lembram-se do Technotronic? – conta a invasão das Ilhas Britânicas pela house de Chicago e pelo Techno, de Detroit. Exato, Techno vem d’outra cidade norte-americana, é mais ou menos o mesmo de outra história e merecerá outro documentário, quando achá-lo.
Algumas casas noturnas londrinas hétero-orientadas não aceitaram, de início, a “música de boiola” vinda de Chicago – ainda mais que havia tantos negros envolvidos, né? O acid house, com seus pianinhos, tendência de ter diva/divo  esgoelando, pegou mal com os bofes ingleses. Mas, quando o Hacienda, em Manchester começou a ter sua noite house bombada e elementos do estilo começaram a ecoar no rádio e na TV, a Inglaterra se rendeu às raves e ao acid house, claro que em sua maioria diluído em acessibilidade radiofônica, mas não se pode diminuir a importância do movimento.


Notável como as tais “revoluções” culturais tornam-se tradição assim que triunfam. Em 1977, Paul Weller e seu The Jam eram bastiões da fúria punk contra a caretice de Rod Stewart – ou pelo menos, assim eram marketados. 10 anos depois, disfarçado de yuppie esquerdista no Style Council (amo demais, não se enganem!), é acusado de aproveitador, por seu cover de Promised Land, que impediu o original house de ser notado nas paradas.
A apropriação britânica da dance eletrônica foi tão eficaz quanto o ocorrido com o punk. O Reino Unido pegou o jeitinho a jato e artistas de lá desenvolveram e criaram sub-gêneros a ponto de tomarem  o centro da ribalta dos inventores norte-americanos. Os anos 90 na dance e electronica foram ingleses.
Isso é o que mostra a terceira prestação de Pump Up the Volume. Já em 89, o trucão italiano Black Box violara as paradas inglesas ficando em primeiro por semanas. Na ilha de Elizabeth, os gêneros importados dos EUA misturar-se-iam com tudo o que lhe era posto na frente. Os Happy Mondays descobriram o ecstasy e levaram o house pro público roqueiro; o Orb misturou-o com New Age e resultou no ambient house; o Leftfield trouxe John Lydon pro estúdio. Drum’n’bass (até música do Chico Buarque já foi gravada nessa vertente pela uma vez famosa Fernanda Porto), garage, progressive, jungle, estão cartografados no documentário, que, claro, não dá conta de tudo que acontecia no começo do milênio. Imagine o quanto não rolou nessa década transcorrida!
DJs passaram de reprodutores a produtores de álbuns e faixas. De U2 a Tori Amos, todo mundo é remixado por DJs e versões dance são lançadas como lados B ou em singles separados.
A multidão de entrevistados de Pump Up the Volume – ainda que adote o tom deslumbrado típico desses documentários laudatórios – engloba gente relevante de todos os períodos abordados, nos 2 lados do Atlântico.
Mesmo que você ache muito dos sub-gêneros chatos, longos e repetitivos, porque pensados pra serem tocados em clubes e dançados, imagino que Pump Up the Volume seja indispensável pra qualquer interessado, afinal, a moçada de Chicago mudou a história da música popular jovem, dá pra negar?

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