Pra leigos,
qualquer dance pós-anos 80 parece ser
techno ; tem batida eletrônica, pronto, techno! Não é assim,
há trocentas divisões, algumas polêmicas até pra iniciados, quem dirá pra nós
diletantes. Pra conhecer melhor um desses estilos, a house music, cuja vertente acid
estourou no fim dos anos 80 numa Inglaterra em preparação pra chutar o traseiro
da Dama de Ferro, vi as 3 partes de Pump Up the Volume (2001), que achei num
arquivo só, legendado em português.
A parte 1
vai de 77 a 85. A house music nasceu
da disco music. Subterrâneo em seu
nascedouro e desenvolvimento, a disco
foi obra basicamente de negros, gays, latinos. Quando o mainstream heteronormativo caucasiano tomou o controle do gênero
com os Travoltas, Bee Gees e Hooked On Classics (argh, Beethoven em versão
disco!) o movimento tornou-se global, mas seu declínio foi tão instantâneo
quanto sua ascensão. Por mais que eu concorde que o ódio dos grupos antidisco
tinha ranço homofóbico e racista, não dá pra desconsiderar que a moda encheu;
até versão disco de musical da
Broadway apareceu, minha santa Donna Summer!
Fora dos
holofotes da mídia, que na aurora dos 80’s paparicava a New Wave, o escurinho das casas de dançar continuava pulsando e
atraindo público alternativo, sempre GLS, décadas antes de a expressão ser
cunhada.
A house
music – o punk da dance eletrônica – nasceu na geograficamente insular
Chicago, que, segundo um amigo nova-iorquino que ama a Cidade do Vento, é “New
York without the attitude”. Lá, DJs começaram a se tornar famosos como estrelas
pop, atraindo multidões aos clubes onde discotecavam, misturando ritmos,
fazendo estripulias com grooves e riffs, misturando, repetindo, sobrepondo
e apresentado toneladas de coisas novas à garotada dançante.
Não demorou
pra DJs começarem a produzir suas próprias faixas, como Jesse Saunders, que em
1984, lançou On and On, o primeiro house.
O nome do estilo vem da danceteria Warehouse. O clube tocava as canções e a
moçada ia às seletas lojas de discos que vendiam as pouco conhecidas faixas
tocada lá, pedindo “aquela música que toca na Warehouse”. Com o tempo, passaram
a falar apenas house e estava
batizado o estilo de música eletrônica pra dançar com vocais esparsos, longa
duração e bastante repetitiva – não dá pra desconsiderar a combinação com os
alucinógenos nas pistas.
A
acessibilidade da tecnologia cada vez mais barata e o amor pela música fizeram
com que um bando de não-músicos começasse a fazer colagens e bolinar grooves. Numa dessas fuçadas com uma
linha de baixo nasceu a acid house.
Naquela altura, diversas grandes cidades norte-americanas já tinham sua cena house e mais aquele produto musical
ianque estava prestes a ser exportado pra Europa, onde conquistaria milhões e sairia
do subterrâneo no verão do amor inglês.
Já resenhei
documentário sobre o tórrido Summer of
Love da acid house inglesa, em
1988, o qual recomendo leitura, aqui. A segunda parte de Pump Up the Volume –
lembram-se do Technotronic? – conta a invasão das Ilhas Britânicas pela house de Chicago e pelo Techno, de Detroit. Exato, Techno vem d’outra cidade norte-americana,
é mais ou menos o mesmo de outra história e merecerá outro documentário, quando
achá-lo.
Algumas
casas noturnas londrinas hétero-orientadas não aceitaram, de início, a “música
de boiola” vinda de Chicago – ainda mais que havia tantos negros envolvidos,
né? O acid house, com seus
pianinhos, tendência de ter diva/divo esgoelando, pegou mal com os bofes ingleses.
Mas, quando o Hacienda, em Manchester começou a ter sua noite house bombada e elementos do estilo
começaram a ecoar no rádio e na TV, a Inglaterra se rendeu às raves e ao acid house, claro que em sua maioria diluído em acessibilidade
radiofônica, mas não se pode diminuir a importância do movimento.
Notável como
as tais “revoluções” culturais tornam-se tradição assim que triunfam. Em 1977,
Paul Weller e seu The Jam eram bastiões da fúria punk contra a caretice de Rod Stewart – ou pelo menos, assim eram
marketados. 10 anos depois, disfarçado de yuppie
esquerdista no Style Council (amo demais, não se enganem!), é acusado de aproveitador,
por seu cover de Promised Land, que impediu o original house de ser notado nas paradas.
A
apropriação britânica da dance eletrônica foi tão eficaz quanto o ocorrido com
o punk. O Reino Unido pegou o
jeitinho a jato e artistas de lá desenvolveram e criaram sub-gêneros a ponto de
tomarem o centro da ribalta dos
inventores norte-americanos. Os anos 90 na dance e electronica foram ingleses.
Isso é o que
mostra a terceira prestação de Pump Up the Volume. Já em 89, o trucão italiano
Black Box violara as paradas inglesas ficando em primeiro por semanas. Na ilha
de Elizabeth, os gêneros importados dos EUA misturar-se-iam com tudo o que lhe
era posto na frente. Os Happy Mondays descobriram o ecstasy e levaram o house pro público roqueiro; o Orb
misturou-o com New Age e resultou no ambient
house; o Leftfield trouxe John Lydon pro estúdio. Drum’n’bass (até música
do Chico Buarque já foi gravada nessa vertente pela uma vez famosa Fernanda
Porto), garage, progressive, jungle,
estão cartografados no documentário, que, claro, não dá conta de tudo que acontecia
no começo do milênio. Imagine o quanto não rolou nessa década transcorrida!
DJs passaram
de reprodutores a produtores de álbuns e faixas. De U2 a Tori Amos, todo mundo
é remixado por DJs e versões dance
são lançadas como lados B ou em singles
separados.
A multidão
de entrevistados de Pump Up the Volume – ainda que adote o tom deslumbrado
típico desses documentários laudatórios – engloba gente relevante de todos os
períodos abordados, nos 2 lados do Atlântico.
Mesmo que você ache muito dos sub-gêneros
chatos, longos e repetitivos, porque pensados pra serem tocados em clubes e
dançados, imagino que Pump Up the Volume seja indispensável pra qualquer
interessado, afinal, a moçada de Chicago mudou a história da música popular
jovem, dá pra negar?
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