Roberto Rillo Bíscaro
A Espanha tem satisfeito grã parte de minha sede de
Henrik Ibsen. Vi 2 adaptações de Casa de Bonecas e agora uma d’Um Inimigo do
Povo, escrita em 1882, após os escândalos de Nora e dos sifilíticos
Alvings.
O norueguês escreveu radical e questionável apologia ao
individualismo, ambientada num pequeno balneário do país escandinavo.
O Dr. Stockmann descobre que as terapêuticas águas
responsáveis pelo sustento da comunidade estão contaminadas e que pra resolver
o problema muito tempo e dinheiro serão gastos. Temendo a bancarrota, os
próceres locais – auxiliados pela imprensa “independente e liberal” que no
começo apoiara o médico – desacreditam Stockmann, transformando-o em inimigo
público.
A contundente crítica ibseniana à volatilidade/
maleabilidade da opinião pública e à obtusidade da maioria moral, facilmente
manipulável, porque mesquinha, não deixa de descambar prum discurso
pequeno-burguês de desprezo pelas “massas” (nos termos do texto em espanhol),
especialmente quando o Dr. Stockmann afirma que a culpa por toda a situação era
do sufrágio universal. Só não fica claro quem seriam e como seriam eleitos os
excelsos tomadores de decisão. Ainda bem que o dramaturgo não poupa as classes
abastadas das acusações de torpeza, mas a postura de Stockmann – embora
compreensivelmente irritado com a achincalhação – trai certo esnobismo
senhorial numa época em que monarquias europeias concediam cada vez mais
direitos e liberdades às “massas”, que se organizavam e/ou revoltavam
continentalmente. A conclusão do cientista de que sozinhos somos
verdadeiramente poderosos, malgrado ratifique a posição burguesa, está aberta a
inúmeros ataques, claro está.
O excelente texto de Ibsen exerceu influência
superlativa no século que se seguiu a sua publicação e primeira encenação, em
1883. Os cinéfilos certamente reconhecerão a figura do desacreditado lutando
sozinho contra um coletivo no popular cine-catástrofe, dos anos 1970. Nessa
modalidade de cine, a vontade/verdade individual era recompensada com a punição
da comunidade, devorada por tubarões ou piranhas, soterrada por avalanches;
punida por não escutar as advertências de seu membro mais esperto e
desinteressado de aspectos “meramente” econômicos.
Um Enemigo del Pueblo peca
por não apresentar certa tonalidade cômica, requerida pelo exagero situacional
amargamente engendrado pelo dramaturgo. Mas, as atuações estão muito boas e se
você entende espanhol, seria bom ver.
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