terça-feira, 28 de janeiro de 2014

TELINHA QUENTE 105

O descaso governamental pra com as populações das periferias das cidades grandes é notório na América Latina. Desnorteada num ambiente pelado de políticas públicas, mas vestido com corrupção e violência, a população recorre a líderes locais, que resolvem seus problemas mais urgentes. Sejam positivas, sejam negativas (no caso de traficantes), tais lideranças acabam por gravitar nos sistemas solares do poder público, mais ou menos perto do sol, quase sempre tentando abocanhar ou mordiscar o seu e o dos seus.    
A minissérie argentina El Puntero (2011) tem como protagonista um desses líderes políticos da periferia. O programa soará como novidade pros acostumados às representações classe-média/alta platinas, centradas na Capital Federal. Nos 39 capítulos, nenhuma vez foi mostrado o Obelisco ou qualquer ponto de Buenos Aires. No lugar, ruas sem pavimentação, casas com tijolos à vista, barracos.
Nesse ambiente, habita Pablo Aldo Perotti, El Gitano (Cigano), líder político comunitário e seus parceiros Levante e Lombardo (loco, repiola, loco!). Às voltas com a intendência da Villa 27 de Abril, esses homens agem ao mesmo tempo como reivindicadores de melhorias pro bairro, mas também como reprodutores do sistema que acreditam combater. Não são necessários muitos capítulos pra perceber que sua simpatia em nada os distingue do corrupto intendente Inigues e do mal caráter Leme – irmão de Levante – que também apresentam os sorrisos de gente boa, quando lhes convém, ao mesmo tempo que apunhalam pelas costas. 


Muito parecido com certo contexto brasileiro, El Puntero apresenta o “jeitinho argentino” e o repertório de mazelas familiares a nós, latino-americanos. Propinas, subornos, assassinatos. Se alguém ainda glamuriza a Argentina, a minissérie é boa pedida pra dar uma passeada pelo seu lado selvagem, mas temperado com nossa característica “cordialidade” cone-sulista.
Tomando o conceito de minissérie como obra mais concisa e fechada que uma telenovela, geralmente com desenvolvimento e fim definidos quando do início das gravações, El Puntero fica comprometido porque algumas situações são mal desenvolvidas ou deixadas de lado. De modo geral, todavia, o resultado é positivo e o interesse é mantido durante toda a obra.
Se pra estrangeiros, o tango constitui modelo idealizado de trilha sonora de produções argentinas, a escolha duma periferia contemporânea impôs aos produtores mergulho na moderna música pop em castelhano. El Puntero oferece rico cardápio de cumbia, cumbia villera, rap e pop/rock, a começar do tema de abertura, bombasticamente interpretado pelos colombianos do Bomba Estéreo, com sua psycho-cumbia Fuego.
Minha motivação pra baixar El Puntero foi Júlio Chavez, interpretando El Gitano. Esse ator é um achado e novamente arrasa indo da simpatia à ira e loucura em segundos. Mas, Rodrigo de la Serna, rouba boa parte da minissérie! Seu Lombardo é truculento e mau-caráter, mas tão simpático com suas gírias (repiola, loco!) e boca suja (quantos palavrões falam na TV argentina, che!), que se torna um daqueles prazeres culposos.
Al fin y al cabo, El Puntero és repiola, loco!

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