Traduzi a entrevista que concedi à revista argentina
Atrapasueños.
Pros que quiserem praticar espanhol, o original pode
ser lido no site da revista:
http://www.slideshare.net/slideshow/embed_code/30951390?hostedIn=slideshare&referer=http%253A%252F%252Fwww.slideshare.net%252Fatrapa
Atrapasueños: O albinismo é uma deficiência?
Roberto: Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) é
uma deficiência; existe até um código na Classificação Internacional de Doenças
(CID) para o albinismo. Não é uma deficiência por si só, mas porque acarreta
baixa visão. Além disso, a pessoa com albinismo (PCA) não pode se expor ao sol,
porque pode desenvolver câncer de pele. É uma genética, que sem os cuidados
necessários, causa outras enfermidades. Internacionalmente, o albinismo é uma
deficiência, mas no Brasil, só se obtèm benefícios como pessoa com deficiência
visual. Somos totalmente visíveis nas ruas; em todas as cidades por que passo,
sou observado. As pessoas param na rua para nos encararem, mas aos olhos das
autoridades brasileiras somos invisíveis.
A:Qual a incidência entre a população mundial?
R: As cifras com que trabalhamos são da Europa e dos
EUA, as quais dão conta que de cada 17 mil pessoas, uma nasce albina. Uma
curiosidade é que o albinismo é mais comum entre negros, assim, no Brasil, a
taxa de albinismo deve ser maior do que na Europa. A taxa também varia
regionalmente, desse modo, no Brasil, o nordeste, que tem taxa mais elevada de
afrodescendentes,, deve ter incidência maior de PCAs do que o sudeste ou o sul.
Na África, os casos são numerosos e há que se considerar a estranheza que
causa. Na Tanzânia, muitos são assassinados ou mutilados, pois existe uma
superstição que diz que usar parte do corpo de uma PCA em poções, traz boa
sorte e riqueza. Muitas vezes, há rejeição por parte da própria família. Em
alguns locais, a ignorância para as PCAs. Imagine o que pode acontecer a uma
criança albina nascida de dois pais negros.
A: Ocorre discriminação ou zombaria no âmbito social?
R: Desde a infância temos que aguentar zombaria e
apelidos como “fantasma”, “vovô”, “marciano”, “Papai Noel”, “rato branco” etc.
Construímos nossa autoestima na adolescência e o bullying pode causar dano à
PCA. Muitos não conseguem sair de casa ou não conseguem trabalho, um pouco
devido à baixa visão, mas também pela questão da aparência. Em entrevistas de
emprego, comumente ouvem que não se adequam ao perfil da empresa, então,
depende do nível educacional de cada um e de ter sorte de pertencer a um
ambiente acolhedor, para seguir adiante.
No Brasil, não temos políticas públicas para as PCAs,
embora tenhamos nossas necessidades específicas. Alguns creem que podemos nos
encaixar na categoria da baixa visão, mas nem todas as PCAs enxergam tão mal.
Além disso, nem todas as pessoas com baixa visão precisam de bloqueador solar.
Nós temos essa necessidade específica, além do uso de roupas com proteção
especial contra os raios UVA e UVB, caras e vendidas em locais muito
específicos. Hoje, para passear pela linda Buenos Aires sob esse sol forte,
usei óculos de sol, minhas calças especiais, um guarda-sol também confeccionado
com tecido especial e meu protetor solar fator 98, que devo reaplicar a cada
duas horas e meia. Quando você não se cuida, fica vermelho como um pimentão e
pode parar no hospital. Por não termos pigmentação, não nos bronzeamos, apenas
nos queimamos, podendo chegar a queimaduras de terceiro grau. No Brasil, não
temos um órgão do governo que garanta às PCAs esses produtos, para nós de
primeira necessidade, porque a probabilidade de câncer de pele é muito alta.
Por outro lado, a capacitação de profissionais é um problema, uma vez que há
médicos que nada sabem sobre albinismo. Vou te contar uma que aconteceu com um
dermatologista, que se supõe que entenda o suficiente de pele: na entrevista
inicial ele perguntou há quanto tempo eu era albino! “Olha, sou albino desde o
dia em que nasci, 24 de janeiro de 1967...”
Um recém-nascido que chega ao consultório de um
pediatra deveria ser tratado preventivamente, recomendando-se exames visuais e
educando os pais quanto aos cuidados com a pele.
Com relação aos profissionais da educação, seria
importante incluir informação básica sobre as crianças com albinismo: têm que
se sentar perto da lousa, não podem fazer Educação Física ao ar livre.
A: Fale a respeito de seu blog o Albino Incoerente e as conquistas alcançadas a partir de sua criação.
R: Há um antes e um depois do blog, criado em 1º de
fevereiro de 2009. Minha formação – professor de Letras – permite-me fazer esse
blog para todas as pessoas desinformadas ou sem boa educação formal, devido a
falta de recursos sócio-econômicos. Pesquisei e encontrei quase nada de
informação sobre o assunto em português. Difundir informação, propiciar contato
entre as pessoas, exigir políticas públicas, tudo isso levou-me a fundar o
blog.
Percebi ser muito importante fortalecer a autoestima
desde tenra idade nas PCAs. Por sorte, não tive esse problema. Para ser
sincero, antes eu nem pensava muito em albinismo; apenas depois que completei
40 anos comecei a preocupar-me com as consequências que o albinismo pode
trazer-me na velhice. Um exemplo é a falta de vitamina D nos ossos por falta de
exposição ao sol. Também tinha que aclarar o mito de que as PCAs são mais
inteligentes. Venho de família pobre, mas fui motivado a estudar. Não saía
muito para a rua, não podia ficar ao sol nem jogar futebol, então, eu lia, lia
muito. O fato é que as pessoas com deficiência compensam suas limitações e se
esforçam em dobro.
Decidi, então, criar o blog e quero deixar claro que
não é uma página apenas para PCAs. Ele atende a toda comunidade; não gosto de reclusão,
isolamento. Atualizo o blog diariamente, sempre com bastante informação.
Divulguei muitíssimo o blog: enviei milhares de e-mails
a todo órgão público e privado, a todos os órgãos de comunicação do Brasil,
pequenos, médios e grandes. Em pouco mais de um ano fui convidado a programas
de TV e rádio e apareci em jornais e revistas conhecidas. Um deputado
convidou-me a redigir com ele um projeto de lei para assegurar a distribuição
gratuita de bloqueadores solares. Recebo diversos e-mails da Argentina, porque
o blog tem uma seção em espanhol.
Acredito que as pessoas devam lutar por seus direitos e
levarem em consideração que todos têm pontos fortes e fracos. É fundamental
buscar e aproveitar o melhor que cada um tem. Por exemplo, não posso expor-me
muito ao sol, assim que não posso desfrutar de praias. Mesmo assim, fui a Mar
del Plata e adorei caminhar pela orla com meu guarda-sol, minha camisa e calças
especiais.
Não posso ficar ao sol, mas adoro outras coisas, como
ir ao teatro ou lojas.
Penso que o “segredo” é
buscar prazer em algo e não ficar se queixando pelo que não se pode fazer. É
desfrutar aquilo que se pode.
Doutor Roberto, será sempre um exemplo de força, superação e sabedoria frente a sua, a nossa causa social...Mostrar ao mundo que como cidadãos que somos, devemos ter o direito de respeito e a saúde, os quais, infelizmente nossa pátria ainda não nos deu! Parabéns!
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