Não canso de declarar amor eterno aos Smiths, os Beatles do indie rock. Adolescendo nos anos 80, o grupo de Manchester é pra mim o que o grupo de Liverpool foi pros jovens dos 1960’s.
Não sosseguei enquanto não li a autobiografia do
vocalista/letrista Morrissey. Controverso, bombástico, arrogante, sardônico,
narcisista e marinado em autopiedade, esse homem é autor das letras mais
pungentes do rock. A autoimportância do poeta começa pela escolha do sobrenome
como nome artístico. Nomes de família são reservados pra compositores eruditos.
Mozart, Beethoven, Lizst. Morrissey.
Musicalmente ignorado pela grande mídia e sem
gravadora, o cantor possui fãs-devotos. Volta e meia alguma de suas provocações
ganha manchetes. Ame ou odeie. Moz.
Pra fechar contrato com a tradicional editora Penguin,
estipulou que seu livro fosse publicado pela divisão dos clássicos. Marca de
seu ego inflado, mas também truque comercial, o estratagema deu certo e
Autobiography saiu pela Penguin Classics, gerando controvérsia, por isso,
rendendo pautas.
Batizar seu produto com o
nome que recebe por seu gênero literário lembra o P.I.L, que nomeou
seus lançamentos como Album, CD, Cassette, Video. Sabe Deus se Morrissey se
lembrou disso, mas não custa recordar que o Public Image Limited era chefiado
por John Lydon, que com os Sex Pistols influenciou Morrissey fundamentalmente. Polêmica e jogada comercial passadas - o livro foi lançado em outubro - e a Penguin Classics amargará a piada de ter lançado um texto longe de aspirar ao estatuto de clássico em sua incensada sub-divisão, merecedora, agora, de menos incenso.
Autobiography apresenta o familiar estilo bombástico e
palavroso de Morrissey; linguagem rebuscada, cheia de ecos, assonâncias,
aliterações, trocadilhos. Mais de um punhado de passagens cheiram a pretensão.
Quem conhece bem as letras de Moz facilmente reconhecerá alusões e referências.
O problema de Autbiography é que o texto engana o
leitor. Ao terminar de lê-lo não conhecemos Morrissey melhor, sequer contatamos
outra faceta que não a do sardônico mártir, incapaz de admitir erros, mas apto
a fazer os mais cruéis (e malevolamente engraçados) julgamentos sobre desafetos.
Morrissey nunca está ou faz nada errado; o mundo eternamente
conspira contra ele, corroborando a autoimagem de gênio vegetariano
antimonarquista incompreendido e fadado ao isolamento.
O final dos Smiths vem numa simples frase; eles tiveram
uma reunião com seu contador e o grupo acabou. Claro que não foi simples assim!
Falou-se muito de que finalmente o crooner
admite sua homossexualidade,
revelando o nome do primeiro caso amoroso. Verdade, mas nada é contado sobre o
fim do relacionamento. Moz tem a decência de não jogar a culpa no ex-namorado,
mas o namoro se esvai das páginas mais discretamente do que entrara.
Algumas seções de Autobiography – que impiedosamente é
destituída de capítulos ou qualquer tipo de espaço entre partes – são
imperdoavelmente monótonas e repetitivas. Será que Moz proibiu edição?
Quando o ex-Smith Mike Joyce deflagra o famoso processo
requerendo 25% dos royalties embolsados
por Morrissey-Marr, somos submetidos a dezenas de páginas esmiuçando e
reclamando sobre cada ervilha comida pelo juiz John Weeks, que passou sentença
desfavorável a Morrissey. Provavelmente se sentindo como seu ídolo Oscar Wilde
- esse sim destruído por uma corte britânica no final do século XIX – Moz se compraz
no papel de injustiçado e eternamente destruído, enquanto nós leitores,
chegamos a desejar tal danação, como vingança pela tortura do lenga-lenga
choroso e repetitivo.
Querendo ser ácido, o narrador por vezes se trai.
Quando um músico abandona sua banda e propaga coisas horríveis sobre o
ex-patrão, Morrissey diz que era, claro, tudo verdade. Então, como o leitor
pode crer nas tantas outras histórias de conspiração onde todo mundo estava
errado, menos Moz?
A porção final é dedicada a exaustivo relato de suas
andanças por casas de shows nem tão grandes em cidades nem tão importantes,
onde o cantor se sacia em se sentir amado por plateias escandinavas ou
mexicanas. No começo até interessa, mas quando se chega pela terceira vez à
Suécia, nos perguntamos onde tudo isso vai dar.
E não dá em nada, como toda a obra.
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