Francis, Bicha (Enrustida) Perversa!
Elogiei a temporada primeira de House of Cards, mas a
relação foi mais cerebral do que visceral. Respeito suas aspirações
shakespearianas, mas faltava me agarrar pelo estômago. Por isso, curtia mais a
tabloidice de Scandal. House of Cards queria muito ser seção política de jornal
“sério”.
Dia 14 de fevereiro, a Netflix disponibilizou a segunda
temporada e a adição de Robin Wright na foto de divulgação chamou atenção.
Esposa do político facínora Frank Underwood, pra perversamente etérea Claire
ter mais destaque, seria preciso folhetinizar (trazer o individual mais à
frente, fato escamoteado com sucesso na primeira temporada) um tiquinho. O
vice-presidente é o maridão; ele ficaria mais com questões de jornal “sério”.
Confiava que meu quinhão tabloide viria com Claire. Não deu outra e amei a maior
parte da segunda vinda de House of Cards. Em termos de conflito, esses 13
episódios são muito mais grudentos.
A parte política envolve tensões com a China, corrupção
com doações de campanha, cassinos em terras indígenas e votação de pacotes de
reformas na previdência. Mas a parte pessoal vem com tudo: revelações de
estupro e aborto em rede nacional, falsas relações amistosas entre o casal
vice-presidencial e o “casal mais poderoso do mundo livre” e outras querelas
interpessoais, que no fim da temporada somam elementos à questão politica.
Afinal, essa é feita por indivíduos.
Nem todos os capítulos são eletrizantes, mas quando a
guerra entre o bilionário Raymond Tusk e Frank Underwood incandesce, queremos
ver logo o que vem. Ótimo a Netflix lançar tudo duma vez. Desde o surgimento
das caixas de DVDs com temporadas completas, tem sido tendência vê-las numa
enfiada. Bom também porque dá a sensação tão estimada de “controle”.
Frank Underwood (Kevin Spacey dá até umas canastreadas
noveleiras de vez em quando) não mudou: obstinadamente segue sua subida da
escada social, confidenciando com o público através dos apartes, cujas funções
variam desde explicar até tentar seduzir. Se Félix de Amor à Vida ganhou no
Facebook a comunidade Félix, Bicha Má, Francis deveria ter a Francis, Bicha
(Enrustida) Perversa.
Claire desabrochou. Um dos truques das soaps é deixar o passado das personagens
desconhecido e aberto. Isso dá liberdade pra tirar n coelhos da cartola e turbinar a trama. Claire precisa se
destacar? OK, Inventemos que um colega da faculdade a estuprou e agora é um
general condecorado pelo vice-presidente em pessoa etc etc etc. E a diversão
começa (ou não)!
Robin Wright merecia uma Claire mais atuante, que
deixasse de ser apenas o busto num museu, ausente de emoções, como o criador de
House of Cards explicou à atriz, durante a apresentação das personagens ao
elenco. A esposa do vice-presidente ainda é pétrea: seu desejo por poder e de
estar ao lado dum macho (SQN) poderoso é inquebrantável. Porém, é capaz de
chorar por alguém destruído. Se isso não oferece nenhuma redenção à personagem,
é prato cheio pra atriz.
House of Cards aproxima-se, assim, da velha DALLAS e
seu antológico JR Ewing. O caminho pro poder está cheio de inevitáveis
cadáveres, literais ou figurados. O que importa é jamais ser um deles e não
perdoar ninguém; usar quem surgir e descartar. E seguir em frente. E dar murro
na mesa pra assustar o espectador.
A série ficou mais folhetinesca, mas não suponha queda
na qualidade. Foi estratagema pra diversificar a ação. Além disso, House of
Cards voltou mais sombria e distópica.
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