Roberto Rillo Bíscaro
Nos anos 80, o filme Blade Runner – Caçador de
Androides virou cult. Vagamente
inspirado no romance Do Androids Dream of
Electric Sheep, de Philip K. Dick, esse seria a escolha óbvia prum amante
daquela década. Entretanto, decidi conhecer a escrita do norte-americano lendo The Man in the High Castle (1962;
publicado no Brasil como O Homem do Castelo Alto), cujo enredo me chamou mais a
atenção.
Dick imaginou um pós-Segunda Guerra no qual Japão e
Alemanha saíram vencedores. A Itália foi deixada de escanteio, afinal, os
mediterrâneos eram considerados quase tão sub-raça quanto os judeus, eslavos,
negros, russos e tantas outras escravizadas ou exterminadas pelos impérios
ganhadores. O mundo fora dividido entre as 2 superpotências, hostis entre elas.
Qualquer analogia com o mundo real dividido e em perigo entre mísseis
soviéticos e estadunidenses não deve ter sido mera coincidência.
Na distopia Dickiana, os nazistas já colonizavam Vênus
e Marte e tinham um avião-foguete que voava Berlim-San Francisco em uma hora,
enquanto na japonesa São Francisco, embora os nipônicos também fossem
tecnologicamente avançados, um dos principais meios de transportes eram os pedecabs, táxis puxados por tração
humana, os chins (chineses). Dick usa
a variada gama de gírias racistas em inglês pra se referir a etnias não
nipo-germânicas. Nesse mundo, no caso da parte dominada pelos orientais, os
caucasianos também são inferiorizados racialmente. No emergente Movimento pelos
Direitos Civis sessentista, essa inversão discursiva assume sabor ainda mais
irreverente e subversivo.
Prenunciando a moda das histórias que não
necessariamente se cruzam, mas repercutem entre si, as personagens seguem
linhas narrativas de aparência independente, mas interconectadas pelas
consequências das ações, pelos efeitos da leitura do I Ching – usado a mancheia
– naquela vibe de que o bater das
asas duma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque. Uma das
personagens expressa essa ideia de forma mais vulgar, afirmando que um peido
pode ter consequências cósmicas.
O questionamento da definição de realidade e a
metalinguagem são centrais em The Man in
the High Castle. O homem do castelo alto é um escritor de ficção proibido
na parte nazista, mas para o qual os japoneses fazem vista grossa. Na obra, um
mundo alternativo é imaginado: um onde o Eixo perdeu a Guerra. Mas, esse mundo
não é semelhante ao nosso, posto que os EUA não se tornam os líderes, mas sim,
os britânicos. Essa caixinha de realidade dentro de realidade dentro de
realidade mostra-se também numa cena onde uma personagem momentaneamente pensa
estar numa outra San Francisco, sem pedecabs
e o domínio japa.
Essa fragmentação de realidade e de trama, no entanto,
é escamoteada pelo autor, que satura as passagens com tantos marcadores espaço-temporais
que a sensação é de se estar lendo uma narrativa realista linear. Numa leitura
apenas por prazer, pareceu-me que algumas das justaposições temporais não estão
muito bem cronometradas, mas seria(m) necessária(s) leitura(s) mais atenta(s)
pra se definir se minha percepção é correta e também pra se tentar estabelecer
conexão entre os tempos superpostos e o núcleo do romance. Tarefa pralgum
pós-graduando. Ou será que nossa academia ainda nutre preconceito contra
literatura de ficção científica?
Tirando momentos de
filosofice californiana e nova-erismo pré-hippongo, The Man in the High Castle
agradou.
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