sexta-feira, 4 de abril de 2014

PAPIRO VIRTUAL 72

O Homem do Castelo Alto

Roberto Rillo Bíscaro

Nos anos 80, o filme Blade Runner – Caçador de Androides virou cult. Vagamente inspirado no romance Do Androids Dream of Electric Sheep, de Philip K. Dick, esse seria a escolha óbvia prum amante daquela década. Entretanto, decidi conhecer a escrita do norte-americano lendo The Man in the High Castle (1962; publicado no Brasil como O Homem do Castelo Alto), cujo enredo me chamou mais a atenção.
Dick imaginou um pós-Segunda Guerra no qual Japão e Alemanha saíram vencedores. A Itália foi deixada de escanteio, afinal, os mediterrâneos eram considerados quase tão sub-raça quanto os judeus, eslavos, negros, russos e tantas outras escravizadas ou exterminadas pelos impérios ganhadores. O mundo fora dividido entre as 2 superpotências, hostis entre elas. Qualquer analogia com o mundo real dividido e em perigo entre mísseis soviéticos e estadunidenses não deve ter sido mera coincidência.
Na distopia Dickiana, os nazistas já colonizavam Vênus e Marte e tinham um avião-foguete que voava Berlim-San Francisco em uma hora, enquanto na japonesa São Francisco, embora os nipônicos também fossem tecnologicamente avançados, um dos principais meios de transportes eram os pedecabs, táxis puxados por tração humana, os chins (chineses). Dick usa a variada gama de gírias racistas em inglês pra se referir a etnias não nipo-germânicas. Nesse mundo, no caso da parte dominada pelos orientais, os caucasianos também são inferiorizados racialmente. No emergente Movimento pelos Direitos Civis sessentista, essa inversão discursiva assume sabor ainda mais irreverente e subversivo.
Prenunciando a moda das histórias que não necessariamente se cruzam, mas repercutem entre si, as personagens seguem linhas narrativas de aparência independente, mas interconectadas pelas consequências das ações, pelos efeitos da leitura do I Ching – usado a mancheia – naquela vibe de que o bater das asas duma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque. Uma das personagens expressa essa ideia de forma mais vulgar, afirmando que um peido pode ter consequências cósmicas.
O questionamento da definição de realidade e a metalinguagem são centrais em The Man in the High Castle. O homem do castelo alto é um escritor de ficção proibido na parte nazista, mas para o qual os japoneses fazem vista grossa. Na obra, um mundo alternativo é imaginado: um onde o Eixo perdeu a Guerra. Mas, esse mundo não é semelhante ao nosso, posto que os EUA não se tornam os líderes, mas sim, os britânicos. Essa caixinha de realidade dentro de realidade dentro de realidade mostra-se também numa cena onde uma personagem momentaneamente pensa estar numa outra San Francisco, sem pedecabs e o domínio japa.
Essa fragmentação de realidade e de trama, no entanto, é escamoteada pelo autor, que satura as passagens com tantos marcadores espaço-temporais que a sensação é de se estar lendo uma narrativa realista linear. Numa leitura apenas por prazer, pareceu-me que algumas das justaposições temporais não estão muito bem cronometradas, mas seria(m) necessária(s) leitura(s) mais atenta(s) pra se definir se minha percepção é correta e também pra se tentar estabelecer conexão entre os tempos superpostos e o núcleo do romance. Tarefa pralgum pós-graduando. Ou será que nossa academia ainda nutre preconceito contra literatura de ficção científica?
Tirando momentos de filosofice californiana e nova-erismo pré-hippongo, The Man in the High Castle agradou.

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