Descobrindo o mundo de muletas. O turismo acessível para deficientes andantes.
Marcos
Bauch já foi mochileiro na Nova Zelândia, viajou de carro até Machu
Picchu, mergulhou em Bonito e saltou de paraquedas em Boituva
O engenheiro agrônomo Marcos Bauch, 31
anos, nunca deixou que as muletas que usa desde criança – necessárias
devido a uma artropatia nos dois joelhos – o prendessem em casa.
Dificuldades existem. Das mais prosaicas, como os pisos escorregadios
que já o derrubaram várias vezes, às mais inusitadas, como saltar de
paraquedas sem pousar com os pés no chão. “Eu e o instrutor tivemos que
bolar uma estratégia para o pouso. Treinamos uma descida sentados e deu
certo”, conta o engenheiro.
Mas os desafios que enfrentou jamais o
fizeram pensar em desistir das viagens. “São apenas percalços e aumentam
o número de histórias para contar aos amigos”, diz ele. A exemplo de
Marcos, há muito mais gente disposta a superar limites físicos para
colecionar histórias e experiências.
O Brasil possui, atualmente, cerca de 46
milhões de brasileiros (24% da população) com deficiência intelectual,
motora, visual e auditiva, conforme o Censo realizado em 2010 pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E, dentre eles, há
muitos viajantes frequentes, segundo constatou o Ministério do Turismo,
numa pesquisa realizada em parceria com a Secretaria de Direitos
Humanos, entre os dias 13 a 20 de maio de 2013, nas cinco maiores
cidades emissoras de turismo doméstico brasileiro – São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte Curitiba e Porto Alegre. A pesquisa apontou que o
sentimento de superação, a liberdade e a autonomia são alguns dos
principais elementos motivadores dos viajantes. Mas eles não querem só
acessibilidade. Como qualquer outro turista, também buscam preços
competitivos, belas paisagens, boas condições de transporte e aspectos
históricos e sociais interessantes.
A cidade de Socorro, no interior de São
Paulo, foi apontada pelos entrevistados como um modelo de turismo
acessível, pois é a que oferece a melhor adaptação para pessoas com
deficiência. Além de Socorro, Fortaleza (CE), Ilhabela (SP) e Maceió
(AL) foram citadas por apresentar passeios, atividades esportivas e
ecoturismo para as pessoas com mobilidade reduzida, deficiência auditiva
ou visual. Atualmente, o Ministério do Turismo está financiando 14
projetos que envolvem acessibilidade, com investimentos na ordem de R$
109 milhões.
Só rampa não basta
Mas investir em acessibilidade não é
apenas construir rampas para cadeiras de rodas. “É um equívoco achar que
tornar uma cidade acessível é só desobstruir barreiras arquitetônicas. É
preciso eliminar as barreiras físicas para cadeirantes, mas também ter
pessoas habilitadas a se comunicar com deficientes auditivos,
disponibilizar material turístico acessível para deficientes visuais e
treinar funcionários para atender a essas pessoas”, explica a psicóloga
Adriana da Silva Souza, do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades
Específicas do IFRJ (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia).
“Ao escolher onde se hospedar, a primeira
providência é checar se o local vai ajudá-lo nas suas dificuldades
individuais. Porque mesmo com perfis parecidos, cada pessoa tem uma
necessidade”, diz o turismólogo e cadeirante Ricardo Shimosakai, diretor
da empresa Turismo Adaptado, que elabora roteiros de viagens para
pessoas com necessidades especiais. A recomendação aqui é ser o mais
detalhista possível, já que, muitas vezes, as empresas não entendem o
conceito de acessibilidade. “Se você precisa de uma cadeira de banho,
por exemplo, tem que ligar e verificar com o hotel se eles têm e
explicar que cadeira de banho não é uma cadeira de piscina”, diz
Shimosakai.
Uma vez escolhido o hotel, vale checar
informações por telefone e até pedir fotos do local. As dimensões são
importantes, especialmente se o turista for cadeirante. “Muitas vezes é
preciso solucionar problemas e exigir os direitos antes de aproveitar a
viagem. Ao chegar a um lugar, a pessoa com limitações motoras vai gastar
tempo para saber quem tem a chave para abrir o elevador, com quem é
preciso falar para poder estacionar mais perto ou, ainda, como encontrar
alguém que possa ajudar a subir e a descer uma escada”, explica o
engenheiro Marcos Bauch, que hoje compartilha as experiências acumuladas
no blog “De muletas pelo mundo”. Já o portador de deficiência visual
precisará de alguém que o acompanhe até o quarto de hotel e lhe mostre a
localização de cada objeto. O deficiente auditivo, por sua vez, terá
mais facilidade de se comunicar ao contar com o apoio de funcionários
aptos em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.
Além disso, os passeios que serão feitos
no destino também precisam levar em conta as limitações. Para o
deficiente visual, por exemplo, no lugar de um museu em que apenas o
título da obra está escrito em braile, será muito mais prazeroso visitar
um jardim sensorial, disponível em alguns parques botânicos de cidades
brasileiras, ou uma galeria tátil, como a existente na Pinacoteca do
Estado de São Paulo. A 134 quilômetros da capital paulista, a cidade
atrai cada vez mais pessoas com mobilidade reduzida ou necessidades
especiais, por conta do projeto Socorro Acessível, iniciado em 2005
Viagem inclusiva e os custos
Não necessariamente um deficiente gastará
mais dinheiro para viajar. Os estabelecimentos não cobram mais caro por
serem acessíveis, mas os custos podem aumentar conforme as adaptações
que o turista precise fazer para usufruir de maneira prazerosa da
viagem. “Quando fui para Machu Picchu contratei uma agência capacitada
para levar pessoas com deficiência, mas tive que pagar por três guias
para carregarem minha cadeira de rodas em uma parte do percurso”,
explica Ricardo Shimosakai.
Como não são todos os locais que oferecem
acessibilidade, a oportunidade de escolha é menor. Por isso, o
deficiente nem sempre pode optar pelo hotel mais barato para se
hospedar, o menor carro para alugar ou ainda, o restaurante mais
econômico da região. É preciso escolher aquele que ofereça soluções para
as necessidades individuais.
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