A menina de todas as cotas
Tania Menai, na TPM
“Pertenço a todas as cotas: sou negra, mulher, pobre e cega”, diz a bela e carismática carioca Nathalia Rodrigues, 21 anos. Conhecida do público do programa de televisão Esquenta, ela conta com um iPhone que lê textos, tem perfis no Facebook e no Twitter e, mais importante: está se tornando jornalista. No entanto, a vida de Nathalia não tem nenhum glamour fora da tela. Residente de uma comunidade nos subúrbios do Rio, ela conta que cegos no Rio de Janeiro não têm chance de comprar nem uma bengala especial ou um relógio: tudo vem de São Paulo. Cão-guia, nem pensar: eles teriam de ser trazidos do exterior. Depender de estranhos para pegar ônibus também é um enorme risco: ela já foi colocada em várias rotas erradas. Mas nada disso a traumatizou tanto quanto ter que deixar sua suada (e merecida) vaga como bolsista na faculdade de jornalismo da PUC-Rio por uma simples questão: ter sofrido racismo e agressividade dos próprios alunos.Em entrevista exclusiva à Tpm, Nathalia contou com detalhes como foi a noite de uma quinta-feira, em novembro passado, quando um grupo de cinco estudantes, três homens e duas mulheres a agarram pelo braço e a levaram para uma parte deserta, no bosque da faculdade, arrancando a bengala e torcendo seu antebraço para trás. “Um deles falava que tornaria a minha vida num inferno, que eu não agüentaria quatro anos ali, que eu não pertencia à PUC – e para eu tomar cuidado com as escadas”, lembra ela, que levou mais de um ano para conseguir a vaga, pois dependeu de “ledores” ineficientes no vestibular. Enquanto o estudante falava, duas meninas riam. Depois de meia hora de agressões verbais, este estudante a deixou em algum lugar da faculdade, jogou sua bengala no chão e disse: “ninguém vai descobrir quem eu sou”. De fato, nenhuma daquelas vozes era familiar, o que indica que os alunos não necessariamente são de sua turma ou cursam Jornalismo. As câmeras disponíveis tampouco captaram imagens relevantes.
Mantendo o ocorrido para si, Nathalia só teve coragem de revelar o que sofreu uma semana depois, quando desabou em prantos na frente de uma produtora do Esquenta. Uma notinha na coluna do Ancelmo Góis no jornal O Globo, intitulado “Filhos da PUC” divulgou que ela passaria a contar com seguranças na faculdade, por causa “de estudantes malvados”. Nenhum repórter carioca se interessou em investigar o porquê e ir além da breve nota. Mesmo com seguranças, – cedidos gentilmente pelo vice-reitor Augusto Sampaio, a quem ela deve toda atenção e carinho que recebeu desde o vestibular -, a vida de Nathalia continuou ameaçada. Mas as investigações não deram em nada. Nem sempre os seguranças estavam disponíveis; quando isso acontecia, pessoas “esbarravam” nela propositalmente, e quando ela chamava os seguranças, os agressores fugiam. Até que em janeiro passado, um segurança disse a ela: “você está vendo coisas!”. Ela respondeu: “se eu estivesse vendo, eu não dependeria de você”. Esta foi a gota d’água. Nathalia abandonou seu sonho, transferindo sua matrícula para a ESPM. Ela ainda tem aulas de inglês na PUC, uma manhã por semana, mas anda sempre anda acompanhada por alguém, apesar de saber chegar sozinha na sala de aula. “Ainda tremo quando chego lá”, confessa.
Nathalia vive com sete familiares em casa e tem um namorado. Seu olhar positivo para a vida supera os de muitos que enxergam. Ela anda impecavelmente bem vestida e impressiona por olhar nos olhos do interlocutor: quem não a conhece não percebe que ela é cega. “Minha retina é morta, mas o resto do meu olho funciona – fiz uma terapia para aprender a olhar para as pessoas, calculando um palmo do som que vem da boca”, explica. Recentemente ela foi escolhida para uma programa de jovens da Globo News, não por fazer parte de nenhuma cota: apenas por seu talento.
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