Em defesa da Lei de Cotas
A Lei de Cotas é boa, atual, eficaz e aplicável *Artigo de Francisco Izidoro, presidente da Associação de Deficientes e Familiares (Asdef)
Francisco Izidoro
A Lei nº 8.213/91 - também denominada Lei de Cotas,
que dispõe sobre a contratação de pessoas com deficiência e visa superar
o processo de exclusão historicamente imposto a este parcela da
sociedade no mercado de trabalho e conscientizar a sociedade acerca das
potencialidades desses indivíduos.
Como sempre acontece no Brasil, as leis que garantem direitos aos
segmentos mais vulneráveis da sociedade são postas na geladeira e
tratadas com inércia ou omissão pelo poder público. Sancionada em 1991, o
art. 93 da Lei de Cotas só foi regulamentado oito anos depois pelo
Decreto nº 3.298 de 1999, posteriormente alterado pelo Decreto nº 5.296
de 2004, que definiu os conceitos de deficiência indispensáveis para a
aplicação da lei.
Na prática a Lei de Cotas só passou a existir em 2001, dez anos após
a sua aprovação, quando foram iniciados os procedimentos de
fiscalização e multas por parte do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE). Se hoje, diante da possibilidade de multa, muitos empregadores
deixam de cumprir a lei, imagine antes de 2001, quando não havia sequer
fiscalização.
Com essas breves considerações, podemos afirmar que é um equívoco
dizer que a política de cotas existe há 23 anos, como temos visto em
alguns artigos que analisam a eficácia da referida lei. De fato o
sistema de cotas passou a existir a partir do Decreto 3.298 e das normas
de fiscalização do MTE. Até então, quem cumpria a lei, o fazia por mera
liberalidade, pois não havia ainda os parâmetros legais definidores das
deficiências.
Em 13 anos de efetiva aplicabilidade da Lei de Cotas atingimos a
marca de 325 mil trabalhadores com deficiência regularmente contratados,
segundo dados da RAIS de 2011 (Relação Anual de Informações Sociais). É
pouco, se considerarmos que este número representa menos de 1% da força
de trabalho brasileira e menos de um terço do total de vagas que
deveriam estar ocupadas por pessoas com deficiência, se a lei fosse
fielmente cumprida.
Todavia, se considerarmos as circunstâncias concretas e os
obstáculos para a inserção da pessoa com deficiência no mercado de
trabalho, veremos que os números estimulam-nos a continuar a caminhada.
A lei, por si só, não muda uma realidade histórica de exclusão.
Nesses 13 ou 23 anos de lei de cota, como queiram, pouco ou quase nada
foi pelo poder público para criar as condições para que as cotas saíssem
do papel para vida real. As empresas também não fizeram a sua parte. No
Brasil é comum se defender a alteração de uma lei quando ela não cumpre
plenamente seus objetivos. E os que defendem a mudança são exatamente
aqueles que poderiam ou deveriam criar as condições para tornar a norma
uma realidade. Boicotam ou dificultam a sua aplicação, para depois
pedirem a mudança, com a falsa alegação de que a lei é inaplicável.
A Lei de Cotas é boa, atual, eficaz e aplicável. A ASDEF defende a
manutenção integral da sua redação e combate qualquer tentativa de
flexibilizá-la ou esquarteja-la para atender a interesses de grupos
econômicos. O problema não está na lei, mas sim na falta de políticas
públicas que facilitem o ingresso da pessoa com deficiência na vida
produtiva e na passividade das empresas que se apegam às dificuldades
para justificarem a omissão em relação a lei e o desrespeito ao
princípio constitucional da função social da propriedade.
Dificuldades com falta de profissionais qualificados, obstáculos
arquitetônicos e falta de acessibilidade não são desculpas para o não
cumprimento da lei. Reconhecemos que elas existem, em maior ou menor
grau, mas não são insuperáveis. Diversas experiências pelo país afora
demonstram que, com vontade e determinação, é possível contornar os
obstáculos e incluir a pessoa com deficiência, com respeito e dignidade.
É possível que haja necessidade de uma legislação que contemple
situações específicas, ou que possibilite estímulos às empresas que
investirem em acessibilidade, em qualificação profissional e contratação
de pessoas com deficiência. Estamos dispostos a enfrentar este debate e
até apoiar estes pleitos, mas sem desfigurar a Lei de Cotas, pois
representa uma conquista na luta pela inserção social da pessoa com
deficiência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário