Antes de criar o blog em 2009, vivi fase de cine islandês, da qual ainda me lembro do inclusivo Strákarnir Okkar (2005), sobre o jogador de futebol que assume publicamente sua homossexualidade; Mýrin, minha primeira incursão no Nordic Noir sem sequer saber da existência do sub-gênero; e Nói Albinói (2003), sobre um adolescente albino isolado numa remota aldeia de pescadores (há anos, procrastino vê-lo de novo pra resenhá-lo).
Deu outra comichão e vi mais 2 filmes produzidos na fria ilha das sagas.
Málmhaus (2013) é um bom drama sobre heavy metal, perda e sentido de comunidade. A pré-adolescente Hera vê seu irmão metaleiro morrer em um acidente campesino. A menina assume o gosto musical e o jeito de se vestir do mano morto. Já adulta e ainda vivendo com seus pais na remota vila islandesa, Hera dá bastante dor de cabeça à comunidade, não apenas por tocar música alto, mas por suas atitudes antissociais
O filme realça diferentes modos de não-adaptação ou canalização da dor pra atitudes autodestrutivas. Quieto, lento, invernal, Málmhaus mostra o heavy metal como purgação da dor, não no sentido mórbido das letras, mas como possibilidade de canal de expressão legítimo e até como traço unificador entre gerações e crenças distintas.
O roteiro centra-se na inabilidade social dalgumas personagens, mas também na importância do suporte comunitário - ainda que o grupo por vezes perca a paciência - tema muito importante historicamente pra inóspita região do interior da Islândia. No fim, a inflexibilidade não vale a pena, eis uma das mensagens do roteiro, que encontrou na cinematografia rica das paisagens de outro planeta da Islândia, a metáfora perfeita pra solidão, introspecção e ódio de Hera - mas não apenas dela.
É quase chavão os cineastas islandeses utilizarem as paisagens de tirar o fôlego encontradas no país ou mostrarem uma Rekjavik cosmopolita e festeira. Íslenski Draumurinn (2000) evita tais estereótipos e se concentra nos arrabaldes e locações mais prosaicas da capital do país-ilha.
Toti é embrulhão contumaz e profissional, versão islandesa do malandro que quer levar vantagem em tudo. Mas, como seu afamado congênere nacional, o trambiqueiro islandês vive na periferia social, daí a escolha duma Rekjavik nada glamurosa.
Quase 30tão, Toti tenta empurrar pra freguesia uma marca de cigarros nova do país. Material importado da... Bulgária, lado B da Europa. Além disso, seu time está na lona, assim como seus relacionamentos afetivos. Por um golpe de sorte, descobre-se que um produto da moda está entre os químicos encontrados no cigarro, daí a sorte do moço vira de pernas pro ar. Mas, será que se manterá boa por muito tempo com esse capitalismo instável em que vivemos?
O título refere-se ironicamente ao Sonho Islandês, pelo menos é o que se depreende do título em inglês, pelo qual geralmente os filmes islandeses acabam sendo conhecidos. Baseado na noção de terra de infinitas oportunidades, a partir de seu genitor ianque, o tal sonho é o da bonança financeira advinda do empreendedorismo tornado possível por uma terra liberal. Íslenski Ddraumurinn bota veneno nessa ideologia, ao colocar em cena um anti-herói que não exerce protagonismo algum em seu percurso financeiro. E, como boa arte, a narrativa capta na raiz a contradição da inserção islandesa no capitalismo pós-industrial, que levou o país à bancarrota depois da crise de 2008.
Tematicamente o filme é esclarecedor; o complicado é a forma. Tido pelos islandeses como comèdia, Íslenski Draumurinn dribla o orçamento mixuruca valendo-se de convenções do dinamarquês Dogma e dos documentários. É gente dando depoimento, personagem falando pra câmara balançante (mas não muito), transeunte parado assistindo à gravação. Isso confere unidade ao mequetrefismo do tema, mas a repetição de algumas situações pode cansar.
Outro problema é Tóti. É quase impossível empatizar com a personagem rabugenta e nó-cega. Claro que aponto esse problema nos termos do cinemão comercial. Nos termos de Íslenski Draumurinn, a dificuldade de empatia talvez dirija a atenção do expectdor pra trama e suas mazelas.
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