Careca há anos, nosso historiador-cronista saiu-se com uma ode à calvície, que passeia entre o erudito e o pop; entre o divertido e o reivindicatório. Uma delícia a crônica de hoje do Prof Sebe!
CARECA, GRAÇAS A DEUS.
CARECA, GRAÇAS A DEUS.
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sinceramente, do fundo do meu coração, não me incomodo com a
falta de cabelo. E não se trata de desculpa, não. Às vezes me olho no espelho e
estranho um pouco, é verdade, mas não me desespero e jamais pensei em
implantes, perucas e nem mesmo naqueles penteados mirabolantes que exercitam a
imaginação de desesperado. Não me considero vaidoso e tenho certeza de que a
sombra de Narciso não me atormenta, passa longe de minha personalidade. Aliás,
me considero sóbrio, gosto de me vestir como um coroa e da maneira mais simples
possível. Embora eu seja assim, noto que minha careca perturba os outros. Na
África, ficava surpreso de ver meus interlocutores nativos sempre olhando meus
pés. Demorei muito para entender o significado social dos sapatos para
segmentos que secularmente andam descalços. Percebo agora, na cultura
ocidental, que as pessoas olham para a cabeça em primeiro lugar. Essa
constatação nada tem de filosófica, é verdade, mas serve de introdução para alguns
delírios de quem se vê pelos olhos dos outros. Com estes pressupostos, comecei
a reparar nas matrizes de nossa cultura e notei com perplexidade que as
gravuras – em particular os grandes pintores e escultores – exageraram no
tamanho do cabelo de “Deus Pai”. As diferentes representações do Criador, o
mostram dono de cabelos sedosos, brancos é verdade, mas também longos, firmes,
esvoaçantes. Conclui sem muito esforço que realmente é lógico retratar o Senhor
dos Senhores como alguém cabeludo. Imaginemos Deus careca; não dá né?! Com um
pouco de pudor depois dessa constatação pensei em desafiar a Bíblia, pois
afinal Deus não nos fez a sua imagem e semelhança?
E por falar em textos religiosos, Sansão me veio à cabeça
como o grande ícone da cabeleira bem resolvida. Pois é, talvez seja pela lenda
do grandão forte que tenha sido filtrada a noção de que ter cabelo é sinal de
saúde. Nesse caso, a relação da força com o tamanho dos cabelos ficou evidente.
Foi meditando sobre essas coisas que me permiti delirar um pouco mais e comigo
mesmo perguntei por que não rasparam de vez a cabeça de Sansão, apenas
apararam? Juro que fui ao filme estrelado por Victor Mature, de 1949, e repeti
a cena do corte de cabelo várias vezes para ter certeza de que apararam o
suficiente para deixá-lo sem energia. Comigo mesmo, fiquei indignado por não
terem raspado o belo cabelo do ator. Mas não parei por aí. Fiquei imaginando
que pelos cabelos são relacionados alguns poderes subtraídos de outros
“amaldiçoados”. Parece óbvio reconhecer que a grande concentração de cabelo nos
homens (deve) estar na cabeça e a cabeça além de ficar na parte mais alta do
corpo é a metáfora da racionalidade e inteligência. Tais atributos valorizam o
cabelo e o fazem notável, símbolo de sabedoria e até de saúde boa.
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