quarta-feira, 22 de outubro de 2014

CONTANDO A VIDA 84

Nosso cronista-historiador, que adora samba, voltou os olhos para o fenômeno Valesca Popozuda e seu Beijinho no Ombro. Confira as ponderações sobre a canção que tanto causou a ponto de se tornar discussão nacional.  


BEIJINHO NO OMBRO... Quem fecha com o bonde?

José Carlos Sebe Bom Meihy

A letra da canção (canção? Eu disse canção?!...) é de Wallace Vianna, André Vieira e Leandro Pardal (que, aliás, virou agente exclusivo, se casou com ela e ficou rico). Incrível, três pessoas se reuniram para compor o sucesso “Beijinho no ombro” defendido (sim “defendido”, aqui a palavra traduz a intenção) por Valesca Popozuda, nascida “dos Santos”, ex-integrante do grupo Gaiola das Popozudas, grupo que tentou se firmar entre 2000 e 2012. Arriscando uma carreira-solo, Valesca gravou sem grandes esperanças o que se tornou o maior sucesso do ano.  Também abreviada como “Bejim no ombro”, a letra da arrebatadora estreia diz assim “Desejo a todas inimigas vida longa/Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória/Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba/Aqui dois papos não se cria e nem faz história/Acredito em Deus e faço ele de escudo/Late mais alto que daqui eu não te escuto/Do camarote quase não dá pra te ver/Tá rachando a cara, tá querendo aparecer/Não sou covarde, já tô pronta pro combate/Keep Calm e deixa de recalque/O meu sensor de periguete explodiu/Pega sua inveja e vai pra…(Rala sua mandada)/Beijinho no ombro pro recalque passar longe/Beijinho no ombro só pras invejosas de plantão/Beijinho no ombro só /Beijinho no ombro só quem tem disposição”. Por certo, uma análise crítica dessas palavras, por ligeira que fosse, justificaria um bom tratado sociológico sobre o sentido da cultura nacional nos dias de hoje. E não faltariam argumentos para feministas, exegetas de comportamento, psicólogos, antropólogos e frequentadores de botequins ou salões de beleza. A gravação lançada no iTunes em agosto de 2013 foi produzida em espantoso videoclipe oficial (http://www.youtube.com/watch?v=UE6BQyIRW-o) um dos mais caros jamais lançados no Brasil, custando mais de 400 mil reais. Esse empreendimento, filmado no Castelo Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro, ainda que de gosto muito duvidoso, rendeu à funkeira de 35 anos, mãe de um rapaz de 14, acesso aos mais importantes programas da TV brasileira. Com passagens pelo Caldeirão do Huck, Programa do Ratinho, Domingão do Faustão, Legendários, Encontro com Fátima Bernardes (com direito a acompanhamento de violino) e Mais Você, música e interprete se colocaram como fenômeno. O sucesso furou fronteiras e foi gravado no México, França, Estados Unidos e Itália.
Tudo interessa na contemplação deste caso como emblema do comportamento cultural do Brasil da chamada era das máquinas. Lembremos que de maneira eficiente, o fenômeno da moça pobre que virou rainha do funk soube muito bem se valer de recursos da internet colando a seu favor várias mídias. O alcance desta “melodia” foi tanto que logo chegou a merecer atenção acadêmica, pois letra e interprete ganharam enquadramento teórico na dissertação defendida na Universidade Federal Fluminense por Mariana Gomes, jovem de 24 anos com o título “My pussy é poder – A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural”. Em outra entrada a Popozuda - que foi descoberta quando trabalhava de atendente num posto de gasolina na periferia carioca – chamou a atenção por ter sido considerada “grande pensadora contemporânea”. A situação se deu em Brasília numa escola em que o professor questionava os alunos numa prova de filosofia, no ensino médio, pedindo para completar se o trecho da música que diz "se bater de frente..." corresponderia às opções: A) "É só tiro, porrada e bomba"; B) "É só beijinho no ombro"; C) "É recalque" ou D)"É vida longa".  De tudo, se pergunta: afinal, funk é cultura? Em defesa pessoal, o professor Antônio Kubitschek se explicava em reportagem da Rádio CBN, dizendo que “Discutimos em sala que a escola só aparece na mídia em contextos ruins. Há 20 dias fizemos uma exposição de fotos e nenhum veículo de comunicação deu atenção. Eu decidi colocar uma questão como essa na prova esperando a repercussão nas redes sociais e na imprensa". Finalmente, depois de tanta polêmica, pergunta-se do sentido educacional de temas como este na escola? Pensemos na proposta vazada nas palavras cantadas (e reboladas) pela própria Poposuda: Late mais alto que daqui eu não te escuto/Do camarote quase não dá pra te ver. E então: calamos ou pegamos o bonde?...

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