Roberto Rillo Bíscaro
Talvez induzido pela série Vikings – ambientada quando
não existia Inglaterra, mas Wessex e outros reinos – li Far From the Madding
Crowd (1874), primeiro romance onde Thomas Hardy usa o fictício condado de
Wessex. Esse truque pseudo-temporal de certa forma tenta cumprir um dos ditames
de muito da tragédia grega, a saber, o distanciamento temporal da trama.
É truque porque fica claro que a ação se passa em algum
momento do século XIX, mas a menção a Wessex remete a uma noção de
pré-Inglaterra. O mundo rural em que se passa a história deve ter parecido
ideal a Hardy pra emular o trágico em romance. O narrador afirma que o tempo
não passava no campo, que costumes seguiam inalterados por gerações. Acontece
que a Revolução Industrial e a sequente avalanche do capitalismo mudaram isso
rapidamente. Quando da segunda edição, na década de 1890, Hardy reconheceu que
muitos dos costumes descritos estavam mortos.
Como na trilogia semiautobiográfica de Flora Thompson,
práticas campesinas abundam em Far From the Madding Crowd, constituindo-se um
dos (poucos) atrativos pra leitores modernos. A tosquia, a remoção duma
colmeia, a proteção da colheita contra a tempestade são pitorescos pros
acostumados à urbanidade ou a interioridade de Austen ou Dickens. Muito da ação
hardyana se passa ao ar livre, intensificando a sensação da pequenez humana
perante a natureza.
E qual é essa ação? Far from the Maddding Crowd é uma
trágica história de amor ambientada no campo. Batsheba (coitadinha, que nome!)
é bela, impulsiva, com muito potencial pra independência e atrai vários homens:
o pastor leal e fiel Gabriel Oak, o Sargento Troy, o fazendeiro Boldwood. Mas,
ela escolhe “errado”, então a trama pode ser lida como uma espécie de educação
sentimental de Batsheba, que, sendo mulher, tem que aprender a não ser
independente ou voluntariosa.
Repleto de traços formais da tragédia grega, seria
fácil apontar a falha trágica de Batsheba como coquetice ou algo assim, mas pra
mim, sua “falha” reside na suprema transgressão de tentar romper – mesmo sem
saber que o faz – a submissão feminina. Ela é proprietária por herança e quer
fazer o que quer em um mundo masculino. Tinha que dar pau! Literalmente.
A “alma feminina” é descrita como fatalmente
predisposta a cometer erros de julgamento. Batsheba pressente que o Sargento
Troy causará problema, mas não consegue evitar juntar-se a ele, que, mais
tarde, tipicamente culpa a moça pelo desastre: ela o seduziu. Ô coitado,
incapaz de resistir à tentação feminina, que sempre causou problemas aos pobres
e indefesos machos desde tempos imemoriais em diversas culturas. Os deuses são
substituídos pela “natureza humana” na tentativa de tragédia de Thomas Hardy.
Mas, o que mais chamou minha atenção foi a fidelidade
do narrador onisciente ao espaço campestre. Quando Batsheba vai atrás de Troy
em Bath, a narrativa não se desloca pra cidade litorânea. Sabemos rumores
vindos da urbe, mas ficamos no campo, esperando e temendo a intromissão do
elemento citadino – Sargento Troy – que destruirá a paz no campo.
E a pergunta que não quer calar. Se o pastor Oak
tivesse propriedades ele seria elegível pra se casar com Batsheba? Leia Far
From the Madding Crowd e talvez você descubra se o tão valorizado amor
romântico e “desinteressado” opera nessa narrativa.
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