segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CAIXA DE MÚSICA 145/TELINHA QUENTE 139




Roberto Rillo Bíscaro

Quando eu tinha 11 anos, a canção The Closer I Get to You colocou Roberta Flack no meu imaginário musical pra sempre. Em 78, nem suspeitava que a cantora de voz doce tivesse rica história e nem me interessava, porque ligava mesmo pra desenhos, séries e o Sítio do Picapau Amarelo. Em 83, outro sucesso, Tonight I Celebrate My Love for You, da trilha da novela Eu Prometo, última de Janete Clair, primeira de Glória Perez, que assumiu a trama após o falecimento de Janete. Segui desconhecendo até mesmo sua canção-marca Killing Me Softly With His Song, ouvida muitos anos depois. E continuei sem noção da linhagem de Roberta Flack.
O documentário Killing Me Softly: The Story of Roberta Flack (2014), da BBC norte-irlandesa, preencheu essa lacuna. Aprendi que a cantora veio de ambiente bastante distinto do gerador de divas divinamente gritonas como Aretha Franklin. 
A sulista Flack cresceu no então segregado subúrbio de classe-média Arlington, em Washington, onde frequentava a igreja Metodista, que, diferentemente da Batista – campo de aprendizado musical de Aretha e outras – enfatizava a entoação de hinos mais comedidos, em detrimento da energia gospel prevalente em outras denominações de alta frequência negra. Depois disso, Roberta estudou piano clássico e lecionou música por 10 anos, antes de começar a se apresentar num bar da capital estadunidense. Essa formação é alegada como responsável pelo caráter mais melódico – no sentido de doce - de seu cantar.  
Acusada de embranquecer demais sua interpretação – porque sempre contrastada com Franklin e que tais – o documentário faz ver que Flack vem de outra tradição e no início de sua carreira suas canções tinham conteúdo político comparável a divos como Marvin Gaye.
Jamais esquecendo a relação entre produção/ fruição musical e classe social, o documentário explica o desenvolvimento dum setor da classe-média negra, sua ligação com a música de Flack e o progressivo desligamento desse cancioneiro e estilo com setores negros menos privilegiados, que nos 80’s abraçaram a contestação hip hop enquanto a cantora se estabelecia confortavelmente no ameno Quiet Storm, grosso modo, mistura bem comportada de jazz e soul.
Essa interconexão entre os níveis musical e sócio-histórico torna Killing Me Softly: the Story of Roberta Flack útil não apenas pra interessados por música e artistas, mas também pra estudiosos de cultura e história norte-americana contemporânea, mormente a afrodescendente.     
Infelizmente, nem clipe do documentário no You Tube encontrei, mas quem utiliza Torrent conseguirá o documentário em sítios como o Pirate Bay. 

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