quarta-feira, 12 de novembro de 2014

ENEM DA SUPERAÇÃO I

Jovem autista faz Enem para realizar sonho de ser web designer

Márcia Abos

SÃO PAULO — Foi sozinha numa sala de aula no campus da Uninove, que reúne o maior número de inscritos do Enem na capital paulista, que Fernanda Raquel Nascimento Santana, de 21 anos, fez a primeira parte do exame nesse sábado. A jovem, dignosticada com autismo aos 11 anos de idade, não reclamou de solidão ou isolamento, ao contrário, achou que foi melhor para sua concentração ter uma sala só para ela.
— O acompanhamento foi legal. Tiveram uma total e incrível paciência. Se eu tivesse dúvidas, eles me ajudavam. Eles estão preparados. Me receberam tão bem — contou, sobre o comportamento dos orientadores e fiscais de provas.
Dizendo-se confiante e tranquila, assim que cruzou os portões da faculdade Fernanda abraçou sua mãe, a assistente social Regiane Nascimento, de 53 anos.
— É uma vitória ela estar aqui — comemorou Regiane, sem conter lágrimas de alegria.
Fernanda não concluiu o ensino médio, mas Regiane conseguiu por meio de um pedido ao Ministério da Educação (MEC) uma autorização para que sua nota no Enem servisse para a jovem obter um certificado de conclusão do ensino médio. Com muita habilidade para desenhar, Fermanda quer ser web designer.
Graças a insistência de Regiane, que não aceitou o primeiro dignóstico dado à filha, de retardo mental, e buscou outros especialistas, Fernanda recebe tratamento terapêutico e psiquiátrico há dez anos. O talento para o desenho da jovem foi desenvolvido de forma autodidata e virou uma forma de comunicação eficaz com a família, já que Fernanda durante muito tempo utilizava pouco a linguagem verbal.
— A escola pública não está preparada para receber jovens com autismo — disse Regiane, explicando que boa parte da educação formal da filha dependeu de bolsas de estudos em escolas especiais particulares. — Não tinha condições de pagar uma mensalidade de R$ 2.500,00. Fernanda não conseguiu se adaptar à escola e a escola também não deu conta. A diversidade precisa ser tratada com seriedade na escola pública.
Há dois anos Fernanda deixou de cursar o ensino médio sem conclui-lo. Nesses dois anos, passou por entidades que atendem autistas e seu médico psiquiatra ajustou os horários de sua medicação. A arte terapia também tem sido importante para seu desenvolvimento intelectual. A mãe a ajudou a estudar em casa, especialmente matérias como história e geografia.
— Ela tem dificuldade para entender conceitos lineares de tempo e espaço. Nas últimas semanas, procurei deixa-la à vontade. Não cobrei. Mas disse a ela que não pode desistir. O fato de chegar até aqui é uma vitória e motivo de orgulho a tada a família e aos profissionais que cuidam dela — contou Regiane.
Fernanda chegou a perguntar para a mãe se seu desempenho na prova mostra o quanto é inteligente. Regiane apressou-se em explicar que não são necessárias provas para medir a inteligência. Com respostas sinceras e espontâneas, a estudante contou ter gostado de uma questão com uma história em quadrinhos da Turma da Mônica. Achou difícil uma pergunta de química e elogiou uma questão sobre radiação, tema pelo qual tem muito interesse.
— É cansativo pensar. Estou ansiosa para ir embora. É difícil ter paciência com uma prova tão longa. Mas é bom treinar a paciência — disse Fernanda, contando que no domingo seguirá a mesma rotina: vai acordar às 7 horas, se aprontar, comer e chegar ao local do exame com uma hora e trinta minutos de antecedência.

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