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Tantos escritores da rica Escandinávia dedicarem-se a
histórias de horrenda brutalidade deve-se a decadência do Estado do Bem-Estar
Social na era da globalização? Ou esse estado tem sido tão bem sucedido a ponto
de proporcionar tempo, oportunidades e dinheiro prum grande número de
escritores e leitores dedicarem-se a imaginar uma Dinamarca/Suécia/Noruega, que
obviamente não é a mesma do idealizado sonho dos anos 50 a 70, mas também não
corresponde ao inferno de misoginia, drogas e violência mostrados nas obras de
Nordic Noir?
Um pouco de cada e mais alguma coisa devem explicar
o sucesso do subgênero e também as coincidências temático-formais entre os
produtos literários, fílmicos e televisivos do Scandi Drama. Li o primeiro
romance da série de aventuras de Nina Borg – aqui minha resenha pra The Invisible Murder – e a crítica ao estado dinamarquês, especialmente no que
tange ao (não) acolhimento de imigrantes e ao tratamento a estrangeiros está no
cerne das reclamações do narrador criado por Lene Kaaberbøl e
Agnete Friis. Drengen
i kufferten (2008) foi traduzido pro inglês em 2011 com o título The Boy in the
Suitcase e foi essa a versão que li.
O garoto na mala é Mikas, lituano transportado pra
Dinamarca dopado dentro duma valise deixada na estação central de trens em
Copenhague. Ao invés do comprador pegar o petiz, quem o encontra é a enfermeira
Nina Borg, que ao invés de entregá-lo às autoridades perambula pela cidade
tentando salvá-lo.
Nina exemplifica bem o paradoxo questionado no parágrafo de
abertura. Ela suspeita do Estado e das instituições cuidadoras do bem-estar e
dos direitos de estrangeiros. Seu ativismo humanitário – sintomaticamente
patologizado pelo narrador-, porém, só se torna possível pelas condições
materiais fornecidas por esse próprio Estado, afinal, não é qualquer um que
pode largar a família e ir pra Darfur fazer caridade.
Típico nas narrativas Nordic Noir, a ação se desencadeia
aos pulos entre distintos núcleos, que ao final se interligam e entrechocam,
provocando o clímax. Como em The Invisible Murder, Nina Borg não é protagonista
no sentido de resolver a trama; ela entra nela por acaso e é levada à cena do
confronto final, não chega lá por ação voluntária.
O narrador é bem menos simpático com Borg nessa sua estreia
no mundo literário. Esquelética e compulsiva são apenas 2 adjetivos com os
quais é descrita. Absorvente, The Boy in the Suitcase é bom, mas The Invisible Murder é mais eletrizante e surpreendente, sem contar que suas
descrições da Dinamarca são mais agradáveis do que as de The Boy..., que fazem
o país parecer uma fornalha fedorenta no verão.
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