Nosso historiador-cronista aborda faceta bem pouco simpática de Monteiro Lobato
SOBRE O CENTENÁRIO DE “VELHA PRAGA”
SOBRE O CENTENÁRIO DE “VELHA PRAGA”
José Carlos Sebe Bom
Meihy
A turma está animada.
Que turma; do Sítio do Picapau amarelo? Mais ou menos. Refiro-me ao conjunto de
alunos e amigos pesquisadores da incansável Marisa Lajolo. O motivo? Em abril,
na vizinhança da celebração de mais um aniversário de Monteiro Lobato, será
lançado um novo livro sobre o autor, ou melhor, sobre cada livro de Lobato.
Trata-se de uma investida decorrente do sucesso do primeiro intento “Lobato,
livro a livro – fase para crianças” publicado pela Editora Moderna que, tendo
ganhado o Jabuti de 2012, se mostrou desafiante do resto de sua obra. “Lobato
livro a livro – fase adulta” está pronto e os mais de trinta articulistas se
agitam para decisões de lançamentos. Logicamente, a ideia seria aproveitar o
dia 18 de abril, mas Sexta-Feira Santa não é data apropriada. Seja quando for,
há propostas vibrantes de lançamentos em livrarias, bares, universidades, enfim,
as possibilidades são muitas. Far-se-ia uma apresentação dos componentes
comentando suas peripécias de pesquisas? Ou se simplesmente promovessem uma
noite de autógrafos deixando o livro seguir seu caminho? Enquanto se discute
sobre isto ou aquilo, uma decisão foi tomada: que se aproveite o centenário do
texto matriz de Lobato “Velha Praga”, publicado em 1914. Como se sabe, foi
exatamente naquele ano que o artigo enviado para a coluna dos leitores foi
pinçado, tendo destaque entre os editoriais d’O Estado de São Paulo. Estava
lançada a semente. Seria, contudo, correto julgar esse texto como matriz do
pensamento lobateano? Equivaleria dizer que “Velha Praga” fixou um tipo social
que Lobato, vida afora, teve que carregar? Seria a figura do Jeca um “pecado
original” ou “pecado mortal” do Lobato escritor. Dentre as passagens mais
evidentes desse texto inaugural do Lobato público, uma chama a atenção “Venha, pois, uma voz do sertão dizer às
gentes da cidade que se lá fora o jogo da guerra lavra implacável, fogo não
menos destruidor devasta nossas matas, com furor não menos germânico”.
Lobato então criminalizava historicamente o camponês como “parasita” e
“incendiário” e assim prosseguia dizendo que o caboclo é “espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização, mas que
vive à beira dela na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso
vem chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a valorização da
propriedade, vai ele refugindo em silêncio, com o seu cachorro, o seu pilão, a
pica-pau e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se fronteiriço, mudo e sorna”.
Nada mais negativo. Nada mais preconceituoso e injusto. Mas, o sucesso desse
tipo de argumento respondia ao que os proprietários de terra queriam dizer ou
ouvir. Seria errado afirmar que a visão oligárquica de Lobato o perseguiu vida
afora como uma “velha praga”? Creio que sim. Lobato jamais se livrou da pecha
de ser algoz dos trabalhadores do campo. Mesmo em sua fase mais modernizadora,
quando fazia apologia da americanização, deixava transparente que todo seu
empenho era para apagar o caipira, substituir o campo pela cidade. Valia então
os operários, não os agricultores.
Curiosamente, acima
do Equador, outra postura social despontava. Na contramão do pessimismo
lobateano, no mesmo ano, em fevereiro de 1914, Charles Chaplin, o famoso
Carlitos, lançava seu filme inaugural “Corrida de automóveis para meninos”,
primeiro de uma série que Lobato tanto gostava. A perplexidade corre exatamente
nas linhas opostas dessa paralela. Em uma direção, Lobato azedo contra o
caipira. Na outra, Chaplin doce, propondo o seu “vagabundo” como alegria de um
mundo que se desmontava em guerras. O peso do nosso detrator dos camponeses
era, ironicamente, compensado nas cidades, nas telas dos cinemas, com a leveza
dos cidadãos comuns do mundo já industrializado. E a guerra verdadeira, nos
campos de batalha, era contrabalançada pela imagem singela de pessoas boas,
simples, sinceras. Do nosso lado, comparando o campo de agricultura com o campo
de batalha, o Lobato culpando a falência de nossas elites pelas mãos do
caipira. Finalizemos com suas próprias palavras “caboclo é uma quantidade negativa... Quando se exaure a terra, o
agregado muda de sítio. No lugar fica a tapera e o sapezeiro. Um ano que passe
e só este atestará a sua estada ali; o mais se apaga como por encanto. A terra
reabsorve os frágeis materiais da choça e, como nem sequer uma laranjeira ele
plantou, nada mais lembra a passagem por ali do Manoel Peroba, do Chico
Marimbondo, do Jeca Tatu ou outros sons ignaros, de dolorosa memória para a
natureza circunvizinha”.
Ah, que saudade de Chaplin...
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