Nosso cronista-historiador comenta sobre os problemas e preconceitos envolvendo a depressão, cada vez mais visível, mas ainda muito incompreendida. Quem já não ouviu pérolas como recomendar pia cheia ou enxada para deprimidos?
A DEPRESSÃO COMO MAL DO SÉCULO
José Carlos Sebe Bom Meihy
Sempre
fico muito impressionado com a intensidade dos sentimentos que conseguimos
exprimir. Gosto de ver expressões de alegria, contentamento, prazer. Acho que a
felicidade pode ser contagiante e torço sempre para os finais felizes, pela
multiplicação de alternativas de escolhas, pelo reconhecimento depois de lutas
por ideais conquistados. A satisfação transparece em sorrisos e quando não exagerado,
o gargalhar permite dimensões de aleluias. O avesso disso, contudo, por
dolorido que é, me atrai em igual medida. A tristeza em projeção especular me
parece tão virulenta que as marcas deixadas por tais abatimentos me desmontam,
paralisam e atrem. Sei de muita gente que reage assim, aliás. De tal forma
estes sentimentos me capturam que tenho feito um cursinho pessoal para lidar
com estes extremos, em particular com os males da depressão.
Em
face da alegria é muito fácil se deixar envolver. Muito. Frente à tristeza,
pelo contrário, é difícil reagir positivamente ou pelo menos com rapidez. Diria
que há estágios de enfrentamento da tristeza alheia. Quando alguém cronicamente
abalado se aproxima, logo desenvolvemos uma complexa atitude de aceitação.
Consolar é um verbo conjugável nessa linha. A solidariedade também se exercita
em declinações plausíveis. Tudo, porém, na certeza de que os motivos do
entristecimento hão de passar e são tratáveis. Felizmente, para muitos, tudo é mesmo
transitório e até rápido, mas, convém supor permanências, idas e voltas e até estados
crônicos. Começamos assim a falar de depressão como estado mórbido de vida,
como problema social expresso em pessoas, mas de significado coletivo. Sim,
falo da depressão como doença que atinge e envolve quantos cercam suas vítimas.
Os
números são aterrorizantes, pois sabe-se que dentre as dez mais frequentes
causas de afastamento do trabalho, no mundo todo, cinco são decorrentes de
transtornos mentais. Quando o sentimento de abandono, desvalho, baixa autoestima,
tomam as pessoas, pouco lhes resta senão a entrega que se desdobra em fadiga,
solidão, isolamento. E quantos não são os casos de suicídios evoluídos da
incapacidade de reversão. Como é difícil ver saídas em tais labirintos
interiores. Nossa! No caso brasileiro, temos mais de 46 milhões de indivíduos
em estado depressivo, segundo dados do Ministério da Saúde do ano passado. A
depressão crônica abrange cerca de 20 a 25% da população em geral, não poupando
jovens, adultos ou velhos. Os resultados práticos desta situação são
desastrosos, seja para cada pessoa, seja para suas famílias e comunidades. Na
economia, e em particular nas relações de trabalho, tal fatalidade provoca
quedas consideráveis na produção. Há estatísticas que demonstram que, no caso
nacional, há queda de cerca de 5 % da produção possível de unidades de
trabalhadores com mais de mil funcionários.
Muito
além dos problemas materiais, deve-se considerar a face mais perversa da
depressão, ou seja, o preconceito contra ela. É fácil se condoer frente a um
diagnóstico de câncer, de pessoas com deficiência física ou mental, amputações
ou qualquer outra manifestação que deixe sequelas notáveis. Frente a um
deprimido, no entanto, levantamos sempre suspeitas, algumas deveras
desrespeitosas. Porque a integralidade física é reconhecida, a aparência de
normalidade é constatada, torna-se difícil aceitar o abatimento do ser
atingido. Adentra-se, frente ao deprimido, no mundo perverso dos preconceitos.
Quantas vezes não se cobra trabalho, força de vontade para reagir, energia de
pessoas atingidas pela depressão. Como se fosse ato de vontade, não se acata a
existência da depressão como causa mortal, ainda que tantos suicídios estejam
revelados como decorrência.
Não
cabe anular esforços de quantos buscam alertar pais, professores, profissionais
da área do trabalho e grupos de apoio que há instituições atentas a isso. Os
tratamentos se avolumam e indicam resultados positivos de expressão. Mesmo a
lei tem amparado casos, mas o que realmente vai fazer a diferença é o diálogo
franco que deve começar exatamente pelos polos atingidos, ou seja, pela autoconsciência
dos deprimidos. Proclama-se a necessidade, urgente, de criação de grupos com
visibilidade pública de reconhecimento.
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