História de um jovem com síndrome de Down que chegou à universidade mostra que escolas particulares ainda têm muito a aprender.
Antônio Gois
A inclusão de Pedro Brandão no ensino médio teve que acontecer na marra. Durante o ensino fundamental, as coisas até caminharam relativamente bem. Perto da transição para o antigo segundo grau, no entanto, sua mãe questionou a direção da escola sobre como estavam se preparando para atender seu filho, que tem síndrome de Down, nos anos seguintes. Como resposta, ouviu a mesma ladainha que muitas famílias que enfrentam desafio semelhante estão cansadas de escutar em instituições particulares: “não temos como atender seu filho aqui”, “ele estaria melhor em outra escola”, “os colegas poderão rejeitá-lo e ele ficará isolado”, e por aí vai.
A mãe de Pedro, Ana Brandão, porém, não queria trocar o filho de escola. Insistiu com a direção, sem sucesso. Decidiu então procurar o Ministério Público de São Paulo. Nas primeiras reuniões com um promotor, o colégio se mantinha irredutível. Mas cedeu quando percebeu que ele deixou claro que levaria até o fim o processo. Mesmo em se tratando de um colégio privado, a matrícula de Pedro, como a de qualquer outro aluno com deficiência, era um direito, não uma opção. A escola teve que apresentar um projeto pedagógico específico para o caso, que foi submetido a uma instituição de referência no atendimento a crianças com síndrome de Down.
A relação com a escola ficou desgastada, mas Ana Brandão seguiu firme em sua luta para que o filho tivesse um atendimento adequado. Por várias vezes, voltou a reclamar, como quando percebeu que Pedro não estava fazendo simulados para o vestibular. Apesar das dificuldades, eles foram até o fim. A mãe até hoje se emociona ao lembrar do dia da festa de formatura, quando não conseguiu segurar o choro ao ver seu filho tirando aquelas tradicionais fotos junto dos demais amigos.
Concluir o ensino médio foi uma vitória, mas Pedro seguiu seu caminho. Fez vestibular, e foi aprovado no curso de gastronomia do Senac. Está hoje no primeiro ano, e a mãe afirma que, desta vez, conta com todo apoio da instituição. A chegada ao ensino superior para um jovem com síndrome de Down ainda é rara, mas não foi a primeira vez no Brasil. O site do Movimento Down contabiliza outros 28 casos como o de Pedro.
Para que mais histórias como essas se repitam, e não apenas com pessoas com síndrome de Down, o movimento Down elaborou uma cartilha, disponível em seu site, com orientações sobre o que os pais precisam saber no momento da matrícula de seus filhos. Até um plantão de atendimento jurídico aconteceu na OAB do Rio para explicar às famílias seus direitos.
Mesmo que ainda longe do ideal, o Brasil teve avanços inegáveis no setor público, mas a rede privada ainda resiste à inclusão. Um levantamento feito a pedido da coluna pelo movimento Todos Pela Educação mostra que, dos 623 mil alunos com deficiência no ensino fundamental, 80,7% estão na rede pública, 15,7% em instituições privadas comunitárias ou confessionais (a maioria subsidiada pelo poder público para atender exclusivamente crianças com deficiência), e apenas 3,6% em particulares tradicionais.
A chegada de Pedro ao ensino superior foi uma vitória pessoal. Mas o feito do qual Ana Brandão mais se orgulha aconteceu na escola onde ela teve que brigar para garantir a inclusão de seu filho. Hoje, os pais de estudantes com síndrome de Down já não ouvem mais da direção que seus filhos deveriam parar de estudar no ensino médio ou procurar outra instituição. Pelo contrário. São incentivados a continuarem até o fim. Como Pedro.
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