Roberto Rillo Bíscaro
Raso demais reputar os países islâmicos como
“atrasados” com relação à condição feminina e fechar os olhos pro Ocidente que
ainda paga salários menores e necessita de infindáveis campanhas pra tentar
reduzir a bárbara violência contra o “sexo frágil”.
Mais produtivo pensar em situações culturais
diferentes, até porque parece haver espaço de luta e transgressão nas terras do
Alcorão. Prova disso é que o primeiro longa-metragem produzido na Arábia
Saudita, O Sonho de Wadjda (2013), foi dirigido por uma mulher, Haifaa al
Mansour.
O filme conta a história duma garota que sonha em ter
uma bicicleta, numa sociedade onde mulheres não podem dirigir e andar de
magrela pode pôr em risco a virgindade, segundo o senso comum local.
O roteiro permite fascinante olhar sobre costumes,
crenças e comportamentos duma sociedade da qual sabemos tão pouco. Aprendemos
que se pode estudar o Alcorão através de software
ao estilo Jogo do Milhão e que se parte da sociedade não vê com bons olhos
a mobilidade feminina, isso não é terminantemente proibido. Senão, por que o
lojista não se escandaliza e até reserva a bike,
quando Wadjda visita sua loja?
A narrativa linear e falsamente simples ganha muito com
a soberba interpretação de Waad Mohamed, com seu olhar de garotinha esperta,
que segue algumas normas pra poder quebrar outras. O roteiro, também de
Mansour, não cai na armadilha abominável de criar aquelas crianças-prodígio,
que nada mais são do que projeções do roteirista adulto. Prova disso é que
Wadjda quase põe tudo a perder, num momento de inconveniente e inocente sinceridade
pueril.
Coproduzido com a Alemanha, claro que o Sonho de Wadjda
mira em “chamar a atenção do Ocidente pra opressão saudita”, mas o faz de modo
tão absorvente e competente – e sem demonizar o Islã – que merece ser visto por
quem se interessa por bom cinema.
Sugiro que seja visto em
forma de trilogia com 2 outras películas resenhadas no blog, Persépolis e Forado Jogo, que também abordam aspectos da condição feminina, nesses casos, no
Irã.
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