quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

CONTANDO A VIDA 95

Retomando a participação de nosso historiador-cronista, o Professor Sebe deseja a seus leitores Feliz 2015, ao mesmo tempo que nos faz pensar sobre o significado das festas e sua crescente mercantilização. Há como conciliar o lado afetivo da tradição festeira com a necessidade de lucro?



2015: primeiras palavras:


José Carlos Sebe Bom Meihy

O cartunista Miguel Paiva publicou uma charge intrigante no jornal O Globo de 29 de Dezembro último. Seguindo a lógica de seu personagem “Gatão de meia-idade”, nessa edição foram colocados os seguintes dizeres na caricatura engraçada do tipo que insiste em parecer jovem “Terminar o ano é como terminar uma relação íntima que durou 12 meses. É triste, mas tem gente que festeja”. Depois de rir da picardia, fiquei pensando nos significados embutidos na pitoresca mensagem de Ano Novo (ou de despedida do Ano Velho). E que dizer então, se iniciamos um “novo tempo” com a certeza de que vamos chegar ao término achando-o encanecido e desgastado? O tal ciclo do tempo não seria uma repetição exaustiva, algo como um filme que assistimos sabendo o final? Que proferir sobre as festividades que emblemam um eterno retorno, a repetição do desgaste e da sutil promessa que tudo que foi desejado de novo se esgotará? O que há por trás dos votos que se notabilizam pelos agouros de boa saúde, sucesso e dinheiro no bolso? De toda forma, eis-nos frente a uma jornada que se inaugura apoiada na superação de momentos que, mesmo alguns felizes – ou pelo menos bons – em conjunto se projetam na possibilidade de melhorias. E de tão repetido é o chavão de “feliz ano novo” que já está inscrito no calendário geral, de vocação planetária, se estabelecendo como uma espécie de cultura padronizadora desse “ritual de passagem”. Todos sabem que devemos estar felizes na mudança do calendário, e que os preceitos recomendam cores de roupas e sons determinados por canções repetidas devem ser observadas. E joga-se tudo nessa prática consumista, inclusive o décimo-terceiro salário que necessita alimentar o comércio sempre carente de porcentagens relevantes.

Bem sei que há um pequeno exército de chatos que agem como eu agora, reclamando de datas festivas que ignoram positividades no calendário. De toda forma, a fim de dar um teor mais solene a estas palavras e extrai-las do diletantismo, fajuto, convém pensar antropologicamente que os ritos se justificam pelo suposto da “inversão do cotidiano” ou como diria Turner, pelo “significado dramático da vida”. Viver dramaticamente os eventos aludidos equivale a representar teatralmente os conteúdos propostos pelos grupos sociais que necessitam reciclar experiências. A teoria da “dramatização social”, mais que dimensionar o fundo moral da vida, visa a requalificar os sentidos da sociedade. Valores éticos, compromissos com o essencial, denodos de direitos, são revividos com aparatos que ao negarem a rotina, reafirmam necessidade do cotidiano. Assim, por exemplo, se processa o carnaval, a páscoa, o dia das mães, dos pais, das crianças, as festas sazonais, e daí por diante. Há basicamente três dimensões festivas: religiosas, cívicas e profissionais. Correm margeando esta tríade as celebrações individuais como natalícios. Por uma ou outra via, contudo, as garras fatais do comercio avassalam a possibilidade de lucro e tentam mascarar a acepção genuína dos eventos. Pretendendo-se invisível, a implicação econômica concorre para a movimentação do capital que afinal nos une. É exatamente aí que reside a grande contradição das festividades. A materialização dos significados tem sido muito mais eficaz de que as intenções. Dar presentes, por exemplo, deixou de se constituir em prática afetiva ou “de lembranças” – onde o estar presente por meio de um elemento material deu lugar a objetos que em si ganham mais significado do que deveriam. E tudo vira mercadoria, consumismo e a dilatação dessa prática chega às mesas, verte-se em bebidas, roupas, perfumes. É lógico que é possível não se deixar levar por esta onda gigantesca e poderosamente sutil, mas para tanto é preciso juízo e discernimento. Apenas com estes fatores aventados como fundamento explicativo teremos condição de sermos menos mecânicos. Abro esta temporada de Ano Novo, pois, convidando todos à reflexão sobre o calendário e o andamento da rotina da vida. Feliz 2015 e caminhemos juntos até 2016 quando o Ano que nasce virará cinzas.    

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