quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CONTANDO A VIDA 96


Esse papa argentino está dando o que falar; encanta liberais, desagrada caretas. Não se pode negar que o Sumo Pontífice tem personalidade.
Vejamos o que nosso cronista-historiador tem a dizer sobre Francisco. 


HABEMUS PAPAM:  Francisco.

José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre me chamou a atenção a expressão “Habemus Papam”, que pode ser traduzida por "Temos um Papa". Na realidade, trata-se de um texto lido pelo decano dos cardeais que elegem um novo Papa depois que esse aceitou o encargo decorrente de disputa interna entre os elegíveis para a cúpula da Igreja Católica. Minha perplexidade se dirige ao fato da existência de uma cerimônia que, de certa forma, se distanciaria da prática cotidiana de Sua Santidade. Dizendo de outra maneira, a euforia dimensionada pelo cerimonial secreto da escolha deixa espaço para pensar que passado o momento eleitoral, de regra, os Papas apenas reaparecem como figuras de destaque em situações extraordinárias, como se não houvesse rotina diária. É lógico que reconheço esforços que conseguiram mudar a rota das atuações papais e João XXIII e Paulo VI são exemplos disto, mas nada se compara ao atual Prelado Máximo.

Sem dúvidas, Francisco é um homem excepcional. Já confessei que quando soube de sua escolha, evoquei suspeitas comuns a quantos estudaram, por anos, a atuação dos jesuítas na História. Amedrontado, precisei requalificar minhas conclusões e dar espaço para a atuação do Sumo Sacerdote que além de tudo, para azar dos brasileiros, é argentino. Mas não foi preciso muito tempo, pois logo Francisco mostrou a que veio. Flashes de sua visita ao Rio são memoráveis e suficientes para derrubar barreiras preconceituosas. Jorge Mario Bergoglio chegou com uma proposta que se inicia no nome escolhido “Francisco”. Emblema da humildade, junto com rara modéstia, outra característica o distinguiu, a audácia. A difícil combinação entre a falta de arrogância e a valentia se realizou no presente Papa que logo foi dizendo a que veio. É exatamente aí que cabe a surpresa.

Em audaciosas investidas, o Sacerdote declarou de saída “quem sou eu para julgar os gays” e na mesma toada falou sobre divórcio e celibato clerical. Isto só aniquila uma tradição de hipocrisia e preconceito instalada na Igreja. E não parou aí. Seria exaustivo elencar as façanhas seguintes, mas nada se compara a sua ação mestra, à necessária reforma da Cúria do Vaticano. Começar pela limpeza da casa é sinal da intenção maior do Prelado Romano, pois no contexto de dominação reside a grande contradição da Igreja: o conservadorismo teórico, o abuso da riqueza ostensiva, o cinismo ao tocar nos erros evidentes da cúpula – entre os quais o excesso de acusações de pedofilia – e a corrupção instalada no Banco do Vaticano. Pode-se dizer que uma síntese de tudo isso está presente na recente lista das 15 enfermidades da Cúria, onde corajosamente, declarou sem disfarce algum, sua posição contra os males crônicos da elite católica. Valendo-se da metáfora apropriada do Corpo Humano, foi bradando contra o “Alzheimer espiritual”, esquizofrenia existencial”. Numa construção metafórica sofisticada, a fim de evidenciar os graves problemas da Cúria, não deixou de usar a doença como suposto explicativo e assim condenou o “exibicionismo mundano”, o “terrorismo do falatório” “o complexo de superioridade” que resultam em transformação do “poder e o poder em mercadoria para obter vantagens”.

É lógico que uma figura tão solar soube aproveitar a coincidência do final do ano religioso e seu aniversário de 78 anos e presenteou o mundo com a abertura de diálogo entre os Estados Unidos e Cuba. A retomada das relações rompidas há mais de 50 anos é um alento para a humanidade, principalmente para quem almeja a paz. Sabemos que o Papa não é perfeito e que entre tantos acertos existem planos em que ainda não admitiu mudanças como a abertura do sacerdócio às mulheres, mas tendo em vista o já conquistado sabe-se que isto é questão de tempo. Meditando sobre tudo isto, fica-nos claro que habemus Papam, hoje e por todo seu pontificado. 

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