Roberto Rillo Bíscaro
Narrativas com tramas paralelas que em determinada
altura se cruzam deixaram de ser novidade na literatura, cinema e TV há muito
tempo. Em 1935, no Brasil, isso deve ter causado furor, daí o buchicho em torno
de Caminhos Cruzados, de Érico Veríssimo, publicado naquele ano, que
escandalizou, mas não deixou de ganhar prêmio.
O dinamismo da crônica psicologizada do autor gaúcho
ainda funciona. A leitura prende e é fluida. Difícil caracterizar como romance
um texto que não tem protagonista e nem ação com começo, meio e fim.
Trata-se de 4 ou 5 dias nas vidas de personagens de
distintas classes sociais de Porto Alegre. Preocupação Modernista, a passagem
do tempo é muito bem marcada, mas o espaço assume importância capital em
Caminhos Cruzados; seja no que determina a posição social, seja na excelente
recriação literária da capital gaúcha em seus diferentes loci, também personagem(ns), porque agente(s) no estado de
espírito, na sensação de solidão urbana, na amplitude ou sufocamento que a
metrópole multifacetada, mas anônima (ou não) proporciona/surrupia.
O aspecto de crônica satírica de costumes é
frequentemente entrecortado por fluxos de pensamento pelo narrador onisciente,
que vive mudando de ponto de vista. Se Caminhos Cruzados não pode se gabar de
profundidade psicológica/personagens complexas, pode se vangloriar de
proporcionar leitura muito agradável, que se sustenta quase 80 anos após sua
primeira publicação. Isso não é pouco na pós-modernidade, onde déficit de
atenção parece ter se tornado nossa segunda natureza.
A cronicidade cobra seu pedágio, todavia, em
personagens parecidos com figuras de papelão, como Noel, filhinho-de-papai
sensível com sua arenga de contos de fada. Difícil imaginar como a independente
Fernanda quereria um pamonha assim.
Mas, há que atentar que a visão liberal do narrador
simpatiza mais com as personagens de menos calibre econômico. No ano da
Intentona Comunista e inserido na segunda geração modernista – bastante critica
das mazelas sociais – não admira Caminhos Cruzados ter levado a pecha de obra
comuna.
Caminhos Cruzados devia ser
muito mais pedido nos vestibulares do que algumas chatices Românticas sempre constantes
das listas. Além de melhor, é muito mais gostoso de ler.
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