segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

CAIXA DE MÚSICA 157

Italo Prog IV

Roberto Rillo Bíscaro
A Itália é curiosa. Quando algum gênero musical cai em suas graças, os italianos copiam e maximizam tanto alguns aspectos, que obrigam a criação de subgêneros prefixados com ítalo. Já escrevi sobre Italo Disco. Com o rock progressivo não foi distinto. Nos anos 70, mormente na primeira metade, a Bota empipocou-se de bandas geralmente inspiradas em modelos britânicos, mas injetando certa “italianidade” nos vocais dramáticos (muitos muito ruins), instrumentação épica, enfim, o exagero.
A quase totalidade dessa produção periga ser esquecida, embora esteja cada vez mais disponível, por exemplo, com álbuns completos no Youtube.
Voltei pruma vibe de Italo prog – confira comentários sobre álbuns do sub-gênero aqui, aqui e aqui - e quero compartilhar mais impressões com vocês.

Quella Vecchia Locanda lançou seu primeiro álbum, homônimo, em 1972. São 8 faixas não muito longas, influenciadas especialmente pelo também italiano – e muito mais famoso – Premiata Forneria Marconi e pelo britânico Jethro Tull. As letras são em italiano e os vocais bons. O Prologo resume o álbum com sua fusão de clássico operático, momentos pastorais e rock energético, especialmente turbinado com violino elétrico. Ao longo do álbum estimulantes momentos de interplay entre flauta, teclados e violino. Um Villaggio, Um’Illusione começa como barroco no violino elétrico pra se transformar num hard rock envenenado com flautas andersonianas. Em Realta, a flauta vem doce, mais Peter Gabriel, num clima de piano bem PFM e Genesis. Immagini Sfuocatte começa como experimentação eletrônica pra terminar em guitarra lisérgica e bateria galopante, que se repete no início de Il Cieco, energética (e meio sem graça) no início pra metamorfosear-se em calma paisagem onde piano, violino e flauta se encontram, antes da volta da energia. O ponto alto é Sogno, Risveglio E... com sua linha melódica de piano capaz de enternecer rochas. Num álbum onde a soma vale mais do que as partes, esta seria a canção pra ouvir caso fosse só pra conhecer Quella Vecchia Locanda. 
Geralmente bombástico, o Italo Prog tem em Príncipe di Um Giorno (1976) - estreia do infelizmente obscuro Celeste – sua exceção mais encantadora. Os tropos árcades de calmaria duma natureza amiga compõem essa obra absolutamente pastoral e homogênea, na qual nenhuma faixa destoa da plangência bucólica e delicada criada por violão, flauta, piano, harpa, xilofone, algum instrumento medieval e órgãos, nunca vindo em turbilhão, antes fluindo suavemente por nossos ouvidos. Os vocais e até o bocadinho de experimentalismo são duma calma e beleza fantasmagóricas que acompanham o ouvinte muito depois de findo o álbum. Soa mais ou menos como se os momentos mais suaves e acústicos do Genesis fase Trespass, de certos álbuns-solo de Anthony Phillips e Stevie Hackett tivessem sido estendidos por 37 minutos. Agradará fãs de MPB setentista e de música sensível em geral.  
O Murple botou apenas um álbum: Io Sono Murple (1974). A escolha do verbo foi porque Murple é o nome dum pinguim, cujas aventuras são narradas mais instrumentalmente do que por letras. Excentricidade a parte, o álbum é dividido em 2 longas suítes, compostas por canções menores emendadas. Sem inovar ou experimentar, o objetivo do Murple era entregar prog sinfônico com fortes descargas de Mellotron e guitarras. Os belos momentos lentos de piano clássico e harmonizações vocais apenas realçam as diversas e vigorosas descargas de órgãos em timbres variados. Dramático, mas não exagerado, Io Sono Murphy acerta em cheio pros gostos de quem curte sinfônico a la ELP, PFM ou The Nice.
O segundo álbum do Il Balletto di Bronzo é fundamental pra se conhecer o drama e exagero de certa vertente do sub-gênero na Itália. Ys (1972) é conceitual, baseado na lenda bretã da cidade que submerge devido a uma princesa devassa. São 5 faixas, 2 delas, a Introduzione e o Epilogo, são suítes longas. O álbum começa com um canto feminino evocando a sedutora princesa. Um dos poucos momentos relaxantes; o restante é sinfônico veloz com teclados endiabrados a la ELP e guitarras que lembram Yes. Alguns trechos antecedem o turbilhão criado pelo grupo de Jon Anderson em Gates of Delirium, faixa de Relayer (1974). Só que a produção é mais apagada e os vocais nem comparação. Ys é tão intenso que pode causar overdose e também desagrada quem não curte muito jazz-rock e experimentalismos, porque em vários momentos essas características ressaltam. Descontados esses senões, indispensável pra amantes de grandiloquência, complexidade de arranjos e alta velocidade de órgãos analógicos e guitarras.

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