Roberto Rillo Bíscaro
Mesmo depois da chatice de The Professor (resenha aqui),
li o sucessor de Jane Eyre, Shirley. Charlote Brontë merece respeito por ter
cunhado uma de minhas histórias mais caras no caso de amor entre Mr. Rochester
e sua governanta, então conhecerei toda sua obra principal.
Publicado em 1849, Shirley evade-se dos problemas sociais
da “Década da Fome”, que só na Irlanda ceifou 1 milhão de vidas devido à
falência na produção de batatas no norte europeu. Bronte troca os chartistas,
especialmente fortes no norte inglês – local de Shirley – pelos luditas. O
capítulo 2 contextualiza brilhantemente a história que se passa no início do
século XIX, época de guerras napoleônicas e Revolução Industrial. Bloqueada
pela França, a Inglaterra sofria fome e acumulo de produção por ter mercados
consumidores incessíveis pelo embargo. Com a crescente mecanização e excesso de
bens produzidos, muita gente era demitida e muitos se dedicaram a quebrar
máquinas, os luditas.
Por mais que
alguns críticos modernos chamem de implicância a reclamação de seus colegas de
outrora de que o romance carece de coesão, esses últimos têm razão. O narrador
onisciente parece ter nistagmo, aquela oscilação rítmica, repetida e
involuntária dos olhos, que acomete muitos de nós albinos e dificulta a
focalização das imagens. Esse defeito na composição talvez se deva ao período
extremamente doloroso enfrentado por Charlotte durante a escrita de Shirley,
quando a autora perdeu 3 irmãos em um prazo de meses.
Difícil definir protagonismo, uma vez que a
personagem-título aparece no final do primeiro terço do livro. Antes da entrada
da jovem herdeira Shirley, a história centrava-se na loirinha Caroline
Helstone, que amava o primo Robert Moore, dono dum moinho, que tratava mal seus
empregados, que por sua vez se ressentiam do maquinário adquirido pelo patrão,
que forçaria gente pra rua. Quando Shirley aparece, o ambicioso empresário
cogita em tê-la como esposa a fim de assegurar sua situação econômica. Pode-se
dizer que o romance é a educação sentimental desse trio, acrescido de brandas
conclamações ao diálogo social, que nunca alcança o liberalismo utópica de Elizabeth Gaskell ou a indignação inflamada de Charles Dickens.
A personagem Shirley começa subversivamente interessante.
À época, o nome era mais comum entre homens e a personagem é caracterizada com
diversos traços masculinos. Seus pais a batizaram assim porque sempre quiseram
um menino para cuidar dos negócios. Filha única e órfã, Shirley herdara a
propriedade (herança era coisa pra varão, lembram de Razão e Sensibilidade?) e
tinha até título de esquire, algo como
escudeiro. A própria jovem se masculiniza usando o epíteto Capitão Keeldar e pronomes
masculinos pra se referir a si mesma.
Então, durante parte da narrativa, temos em operação 2
conceitos de mulher: uma submissa e aderente aos costumes sociais (porque
pobre) na figura de Caroline e outra cujo dinheiro concedia-lhe o luxo de ter
opiniões e sair-se ilesa de pequenos desvios da norma. Nessa perspectiva a
inglesa Shirley Keeldar é aparentada a Aurélia Camargo, que também usa sua
independência pra se tornar dependente e de joelhos ao maridão. Mas, o romance
de José de Alencar é superior ao da irmã de Emily e Anne Brontë.
Se por um lado, Shirley
oferece a oportunidade de se perceber os limites da emancipação feminina
possíveis no século XIX e algum comentário social sobre a época do ludismo, por
outro se dilui em digressões de proselitismo religioso edulcorado e personagens
sem função no mover da trama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário